Metem a mão na opinião do povo. Por Marcos Coimbra – Heron Cid
Bastidores

Metem a mão na opinião do povo. Por Marcos Coimbra

28 de março de 2018 às 08h36
Cármem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal

Entre os despropósitos dos tempos que vivemos, um dos piores é o que as elitesfazem com a opinião das pessoas comuns: a usurpam. Elas e seus representantes sabem o que quer a maioria da sociedade, mas o ignoram, substituindo-o pelo que desejariam que fosse. Subtraem do povo o direito de ter opiniões e ainda inventam algo para pôr no lugar.

Nas ditaduras clássicas, o processo é mais transparente. Os donos do poder dispensam-se de recorrer à ideia de opinião majoritária. Fazem algo simplesmente porque querem, porque cismam em fazê-lo.

Os militares não costumavam apresentar-se como executores da vontade da maioria. Pelo contrário, alguns de seus principais ideólogos até gostavam de se imaginar acima do que o povo podia compreender. Nunca inventaram que os brasileiros gostavam da ditadura.

No Brasil atual, a história é diferente. A turma de Temer, seus correligionários no Congresso, os jornalistas da mídia monopolista, a banda partidarizada do Judiciário, os ricaços em geral, todos gostam de fingir que “atendem aos anseios da população”. Que fazem o que fazem em “resposta aos desejos da opinião pública”.

A falsificação e a usurpação da vontade da maioria acontecem tanto no front administrativo quanto no político. Desde quando a coalização conservadora retomou o controle do Estado com a deposição de Dilma Rousseff a agenda do governo foi apresentada como se correspondesse àquilo que as pessoas queriam. Em nenhum momento os agentes do golpe reconheceram que a sociedade podia ter motivos sólidos e racionais para reprovar as iniciativas que impuseram.

Mas é nos enfrentamentos políticos que o sequestro das opiniões mais acontece. Por ignorância dos sentimentos e preferências da população ou por deliberada falsificação, a elite e seus agentes metem a mão na opinião pública.

Engraçado é que quem mais gosta de se atribuir o papel de intérprete e porta-voz da sociedade são os que menos convivem com ela, menos a conhecem, e nenhum voto têm ou tiveram. Os políticos governistas ainda revelam algum pudor, pois sabem que não falam em nome da maioria. No máximo, pretendem ter uma força que não possuem, o que não é nada incomum no meio em que vivem.

Quem mais abusa da pretensão de representar a maioria são os que nunca foram à rua disputar a genuína representação democrática. São os que não têm coragem de expor suas ideias e obter de um conjunto significativo de pessoas um mandato para falar em nome delas. São os que mais se acham capazes de se manifestar em nome dos outros.

O Judiciário, que até há algum tempo era um lugar onde pavoneamentos desse gênero eram inadmissíveis, passou a ser palco de desfiles diários dessa usurpação. Desde juízes locais, como Sergio Moro e seus imitadores, aos de Segunda Instância, a toda hora aparece um se oferecendo como oráculo dos anseios populares.

Nos Tribunais Superiores, então, nem se fale. Contam-se nos dedos os que preservam sua autoridade efetiva, recusando-se a fazer os muitos jogos de ilusão a que são convidados para receber o aplauso das elites. No Supremo Tribunal Federal, são muitos os que acham bonito exibir-se como “expressão de todos”.

Nos últimos dias, tivemos um exemplo patético dessa usurpação. Em nome de uma inexistente “pressão de opinião pública”, a presidente do STF recusou-se a pautar a revisão da decisão do Tribunal que permitiu o absurdo do cumprimento da pena por pessoas inocentes, pois ainda não condenadas definitivamente. Porque Lula poderia beneficiar-se, ela não quis que essa distorção constitucional fosse corrigida. Alegou que faria o que a opinião pública deseja.

Todas as pesquisas mostram, no entanto, que a suposição da ministra é falsa. Que chega perto de 80% a proporção de pessoas que é favorável a que esse mostrengo autoritário seja removido de nossa legislação.

Não são pesquisas secretas, assim como não o são as que mostram que a caçada contra Lula movida por juízes e promotores partidarizados é reprovada pela maioria das pessoas. Os que se arvoram a representar o povo sabem que não o fazem.

Mas fingem que sim. Na cobertura diária da mídia de direita, nas manifestações de líderes políticos e empresariais conservadores, nas declarações e julgamentos dessa Justiça diminuída que alguns praticam, encenam uma pantomima: ao mesmo tempo que atribuem às pessoas opiniões que não possuem, pretendem falar em nome delas.

De pouco adianta. Na hora de votar, elas votam em quem querem.

Carta Capital

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