A vida aos 40 anos (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

A vida aos 40 anos (A Crônica de Domingo)

7 de janeiro de 2024 às 12h40

Sempre tive pressa de viver, tendo no verso de Belchior, em “Coração Selvagem”, um tônico. Um amigo meu, não um analista, me disse nesses dias – em tom de alerta existencial – que a vida muda após os 40. O psicólogo norte-americano Walter Pitkin disse que ela começa aos 40.

Precoce por natureza, acho que – para mim – as mudanças chegaram bem antes do último 26 de dezembro quando rasguei o quadragésimo calendário da geladeira, enquanto o tempo ficava ‘bonito pra chover ‘ na vista do Montei Sinai, em Marizópolis.

O conceito e o sentido de paciência já não são mais os mesmos. Não perco tanto tempo e energia com o que não vale a pena e paradoxalmente me sinto mais paciente com coisas, pessoas e situações que tinham o poder de me tirar do sono e do sério.

Os 40 nos oferecem mais tolerância com nossas próprias imperfeições e com os defeitos alheios. Com esta fase, chegam de brinde um novo ritmo de senso de urgência e a consciência de nossas limitações. O que provocava culpa agora traz consolo.

A quantidade cada vez importa menos do que a qualidade. Da capacidade de produção, antes ilimitada e à custa do esgotamento mental e físico, à intensidade das relações sociais. De repente, a seletividade passa a ser uma característica espontânea.

O advento dos 40 vem acompanhado de uma desconhecida, consciente e serena coragem de abraçar e sentir novas aventuras e novos sonhos – ou sonhos adiados, coisas que ninguém jamais poderá viver por nós.

Tudo isso com o benefício da perda quase completa do medo paralisante das frustrações, fracassos, julgamentos e até do futuro, que – pelas contas práticas e reais – já é muito menor do que um dia foi.

O instinto de sobrevivência cede lugar ao desejo da experiência. Com coisas reais, de preferência. Até porque, Raul, “há uma voz que canta, uma voz que dança, uma voz que gira, bailando no ar” e perguntando: e se não houver amanhã, Renato?

Quando entrei no jardim da adolescência, não via a hora e sonhava entrar no quintal dos 20, sinônimo de uma tal maturidade e independência que pareciam bem distante. Quando passei dos 30, tentei adiar ao máximo a rua dos 40. Não houve outro jeito.

Agora que estou aqui, diante do espelho vejo costeletas prateadas e não tenho ansiedade alguma para morar na casa dos 80. Que os próximos 40 venham leves e bem devagarinho. Sem nenhuma pressa, Belchior!

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