O dia que não terminou (Por Ricardo Leitão) – Heron Cid
Artigos

O dia que não terminou (Por Ricardo Leitão)

19 de janeiro de 2023 às 16h01
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O domingo, 8 de janeiro, vai lançar sua sombra nefasta sobre o Brasil por um longo tempo. Alguns golpistas que invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal serão punidos, assim como os que organizaram as invasões e seus financiadores. Autoridades públicas omissas e coniventes receberão suas penas. Operários e restauradores farão ressurgir o brilho das sedes do três Poderes. E o Brasil, então, retornará à marcha da reconstrução do País, balizado pelo desejo de paz depois de quatro anos de radicalização.

De imediato, talvez não. A conjuntura que explodiu no dia 8 de janeiro não se exauriu e o seu pior reflexo é o agravamento das relações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Tais relações foram institucionais nas gestões anteriores do petista, contudo terminaram envenenadas pelo bolsonarismo, que ainda prevalece em parte expressiva das três Forças. Por quatro anos, os líderes fardados se deixaram manipular pelas manobras golpistas do ex-presidente. Replicando o discurso de Bolsonaro, criticaram a urna eletrônica; exigiram o voto impresso e até uma apuração paralela dos votos da eleição presidencial – todas iniciativas inconstitucionais.

Em homenagem à desmoralização, permitiram que golpistas montassem acampamentos nas portas de seus quartéis, em dezenas de estados, com faixas pedindo a volta da ditadura – o que também é inconstitucional. De um desses acampamentos, diante do Quartel General do Exército, em Brasília, partiram milhares de golpistas que invadiram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto, no dia 8.

Por duas vezes, em dezembro, já depois da eleição de Lula, o governo do Distrito Federal tentou desmontar o acampamento, porém foi impedido pelo Exército. Insistiu na noite do dia 8, mas negociaram a operação para a manhã seguinte, 9, por supostamente estarem nas tendas esposas de oficiais, solidárias com os golpistas.

Dias antes, um episódio anunciou que se aproximava o ponto de ruptura. Pela primeira vez desde a redemocratização, em 1985, um ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, oponente de Lula, se recusou a passar a faixa de comando a seu sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen, nomeado pelo petista. Na solenidade estava presente o novo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.

No dia 8, o ponto se rompeu. Às 15 horas e 10 minutos, sem qualquer resistência do Batalhão da Guarda Presidencial, a horda golpista invadiu o Palácio do Planalto. Vandalizaram o que encontraram pela frente, tentaram provocar um incêndio e rumaram para o gabinete do presidente Lula, para invadi-lo. Só duas horas depois chegou parte da tropa de defesa, a essa altura com pouco a fazer além de testemunhar a quebradeira. O Batalhão da Guarda Presidencial é subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional, o GSI. No governo Bolsonaro, o GSI foi comandado pelo general reformado Augusto Heleno, um dos militares mais próximos do ex-presidente. Todos os integrantes do gabinete foram dispensados por Lula.

Omissão, conivência ou incompetência? Ou tudo junto? A opinião do novo presidente é clara: “Teve muita gente conivente. Teve muita gente da Polícia Militar de Brasília conivente, das Forças Armadas conivente. A porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar, porque não tem porta quebrada. Alguém facilitou a entrada deles”, afirmou Lula.

A Polícia Federal iniciou investigações para identificar, entre os integrantes do GSI, quem colaborou com os invasores. Ainda que surjam alguns resultados, seus efeitos seriam limitados diante da questão maior: a desconfiança mútua entre Lula e os comandantes militares. Admite-se que, no momento, as Forças estejam divididas em três grupos: os bolsonaristas de extrema direita, que apoiariam um golpe; os bolsonaristas legalistas e, por fim, os profissionais legalistas que afirmam respeitar a Constituição. Não há nenhum grupo majoritário. A missão do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é desbolsonarizá-los, pacificá-los e confirmá-los como defensores da democracia.

Não é uma missão fácil. No entanto, absolutamente necessária. A sombra nefasta do 8 de janeiro terá de se dissipar.

Comentários