A bodega de Seu Chico (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

A bodega de Seu Chico (A Crônica de Domingo)

20 de fevereiro de 2022 às 17h37
FOTO ILUSTRATIVA: por trás do balcão, um sorriso fraterno e olhar

Ainda posso ver aquele balcão cumprido de madeira. Por trás dele, entre pipocas, panos de prato, confeitos, bomboniere, rapaduras e garrafas, a figura do bom homem sorridente.

De rosário no pescoço e todo vestido de marrom, ele fazia jus ao nome do estabelecimento: Mercearia São Francisco, santo de sua devoção.

Lembro que, aos sete anos, fomos – minha avó dona Nuita e eu – junto com ele e família pagar uma promessa em Canindé. Na excursão de ônibus saindo de Marizópolis, vestidos com a cor do santo para entregar a roupa na igreja da cidade cearense.

Francisco também no nome, Seu Chico Laurindo carregava a bondade nos olhos sem ganância e nos gestos fraternos das mãos. Era um franciscano.

Tinha sempre uma brincadeira guardada com qualquer cliente que chegava. Moleque, levava a cadernetinha lá de casa sempre que alguma coisa da feira e da dispensa faltava.

Nunca sai sem um agrado na mão, um pirulito, uma bala. Ou um beliscão maroto.

Via nele a aura de avô que eu não tinha. Com aquele acolhimento, voz mansa e jeitão amigo conquistava e cativava todos. Velhos e novos, clientes e passantes da rua principal.

Carismático, Seu Chico bem que poderia ter sido um padre. Fé e disposição de servir não lhe faltavam, mas sua vocação era para homem da família harmoniosa que construiu.

Fui da sua casa e dos seus filhos, amizade herdada de minha mãe, Marizete. De vê-lo chegando para o almoço e saindo faceiro e cantante de volta para seu comércio. Sempre com aquele sorriso no rosto para partilhar com quem atravessava sua estrada de homem bom, até que a covid cruzou o seu caminho e o levou ao destino do adeus. Ele e bodega ficarão no armazém da saudade.

*Homenagem póstuma.

Para Téca, Deuzinho, Ana Rita e Laurineto.

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