Perde o Brasil, de novo. Carlos Alberto Sardenberg – Heron Cid
Bastidores

Perde o Brasil, de novo. Carlos Alberto Sardenberg

7 de março de 2019 às 11h30 Por Heron Cid

Está marcado para a próxima semana o primeiro leilão de privatização do governo Bolsonaro. Se tudo der certo, serão concedidos à iniciativa privada 12 aeroportos, divididos em três blocos, um dos quais inclui o estratégico terminal de Recife (pouco mais de oito milhões de passageiros/ano, uma porta de entrada para quem vem da Europa).

O governo espera arrecadar pelo menos R$ 218 milhões com as outorgas, passando aos concessionários a obrigação de investir R$ 1,5 bilhão na melhoria dos terminais.

Não é um baita negócio. Os 12 aeroportos respondem por apenas 10% do movimento nacional de passageiros, mas se trata de um teste importante. Haverá muitos interessados? Virão empresas internacionais de peso? Pode-se dizer que o sucesso (ou não) do leilão dará sinais sobre a confiança no governo e no andamento das reformas para reequilibrar a economia brasileira.

É, portanto, uma pauta importante, que se soma a outros temas cruciais na agenda do governo Bolsonaro: Previdência, pacote Moro, formação das comissões e lideranças no Congresso.

Enquanto isso, o governo ocupa o Twitter global (ou seria globalista?) com um vídeo pornô posto em evidência pelo próprio presidente. O que seria isso?

Permitam-me citar um aprendizado de décadas de jornalismo. Sempre que se apresenta a seguinte dúvida — terá o governo feito um lance genial que a gente não entende ou cometido um enorme equívoco —, em 99% dos casos, é a segunda opção que se confirma.

Dizem, por exemplo, que Bolsonaro está propositadamente desviando a atenção da reforma da Previdência, um tema que reduz popularidade, para colocar na pauta temas de agrado de seu público religioso e moralista. Ou seja, ficaria todo mundo discutindo o “golden shower” enquanto a reforma da Previdência passava de fininho, o Paulo Guedes vendia uma dúzia de aeroportos e Moro aprovava seu pacote.

Que tal?

Não faz o menor sentido.

O fato é que o presidente efetivamente se interessa mais e se ocupa mais à vontade de questões como os pecados do carnaval e a posse de armas.

Tome-se o caso da reforma da Previdência. É verdade que, ao apresentar a proposta no Congresso, o presidente disse que estava errado quando, como deputado, foi contra a reforma. Mas, como se o passado pesasse mais, o presidente aceitou logo de cara mudanças no texto produzido pelo seu governo — que reduzem a eficácia do projeto — e nada mais fez além de reproduzir peças de propaganda das medidas.

Uma reforma dessas, como a tributária, outro exemplo, só passa com ação pessoal e convincente do presidente da República. Ou de ministros do primeiro escalão, assim credenciados pelo presidente.

Ou, por outro lado, o presidente se ocupando de pornografia carnavalesca só convence seu próprio público, que não precisa ser convencido disso, mas das reformas e privatizações.

Na semana passada, houve um outro caso de desgaste bem diferente, é claro, mas também mostrando a difícil combinação entre ideologia e governar para todos. Foi o episódio envolvendo a cientista política Ilona Szabó, indicada e dispensada pelo ministro Sergio Moro para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Moro indicou-a por ter tomado conhecimento de suas ideias, críticas às propostas de Bolsonaro. E dispensou-a por pressão de uma ala do governo, com forte participação dos filhos Eduardo e Flávio Bolsonaro.

Quem explicou bem a situação foi o general Mourão, o vice-presidente. De um lado, disse, houve a bronca “da ala mais radical dos apoiadores do presidente”, que a considerou uma futura sabotadora. De outro, completou o vice-presidente, a esquerda, território de Ilona Szabó, também a patrulhou, acusando-a de aderir ao governo.

Tudo radicalizado e errado. Ela ia participar de um conselho consultivo, sem qualquer condição de sabotar, muito menos de aderir.

E quando não se pode colocar pessoas diferentes para conversar, “perde o Brasil”, comentou Mourão.

Também perde, acrescentamos, com o tal vídeo.

O Globo

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