O privado e o público. Por Merval Pereira – Heron Cid
Bastidores

O privado e o público. Por Merval Pereira

15 de fevereiro de 2019 às 13h00 Por Heron Cid
Bolsonaro e filhos (Foto: Antonio Milena/VEJA)

A crise desencadeada pelo vereador Carlos Bolsonaro, desmentindo pelo twitter o ministro–chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, tem um aspecto que a torna ainda mais perigosa em termos institucionais. Trata-se do uso indiscriminado das redes sociais para comunicação do seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, sem distinção do público e do privado.

Durante a campanha presidencial, com muita freqüência era Carlos quem usava as senhas do pai para postar mensagens políticas, e há quem diga que até hoje é ele o autor das mensagens do presidente. Nessa crise de agora, o que circula em Brasília é que o retuíte da conta pessoal de Jair Bolsonaro (@jairbolsonaro), como que avalizando a acusação de seu filho Carlos a Bebianno, foi postado pelo próprio, em nome do pai.

Oficialmente, em novembro, antes mesmo da posse, Carlos publicou um aviso aos amigos informando que não tinha mais, “por iniciativa própria”, qualquer ascensão (sic) às redes sociais de Jair Bolsonaro. Foi quando brigou com Gustavo Bebianno na equipe de transição e desistiu de permanecer em Brasília, retornando à sua atividade de vereador no Rio.

A utilização do twitter para suas mensagens é um hábito que Bolsonaro copia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seu grande ídolo. Nos Estados Unidos, a utilização de meios particulares para atividade oficial já deu muita dor de cabeça a Hillary Clinton que, quando Secretária de Estado no governo Obama,dispensou o e-mail oficial(@state.gov) para usar seu email privado mesmo para assuntos de Estado.

O caso provocou o temor de informações sigilosas do Departamento de Estado circularem em redes de caráter privado, ou estarem expostas a ataques de hackers.  Em março de 2015, o “New York Times” informou que o email utilizado por ela era @clintonemail.com durante o período. Diante da constatação, Hillary admitiu: “Seria melhor ter usado dois e-mails e dois endereços eletrônicos diferentes”.

Parte do conteúdo era classificado como supersecreto, ou o foi mais tarde. Durante as investigações, que ocorreram durante a campanha presidencial, prejudicando-a como candidata, o inspetor-geral do Departamento de Estado afirmou que ela não pediu permissão para adotar um servidor privado. Mas o FBI não recomendou seu indiciamento, embora a tenha acusado de ser “extremamente descuidada”.

Coube a Hillary um pedido de desculpas: “Foi um erro. Sinto e assumo a responsabilidade”. Legislações sobre esse tipo de utilização garantem nos Estados Unidos que não haja violação de normas de segurança institucional. O uso do twitter oficial da Casa Branca (@POTUS) é feito sempre que Trump trata de questões de Estado. Foi inaugurado pelo seu antecessor, Barack Obama, que usava mais o Facebook para seus comentários.

Isso garante a fidedignidade da informação, de que é o próprio presidente quem está dando uma mensagem à Nação. É importante porque hoje em dia o que mais existe é perfil falso nesses novos meios. Quando usa seu twitter pessoal, Trump se identifica como @realDonaldTrump.

Há também a intenção de garantir que as comunicações do governante sejam controláveis.Os filhos do presidente Bolsonaro não se limitam a querer defender idéias; eles tentam transformá-las em programas de governo, sem que sejam debatidas, e assumem posições contrárias a ministros dos quais não gostam.

É gravíssimo, se confirmado, que um dos filhos dele tenha acesso à senha do twitter e fique postando em nome do pai. O Estado não pode ficar em mãos indiretas, seja de quem for. Caso o presidente aceite a pressão do seu filho vereador Carlos para demitir o ministro Bebianno, vai ficar cada vez mais nas mãos das redes sociais e dos filhos, que tentam aumentar o poder no governo.

Ou Bolsonaro tem controle de suas mensagens, ou instala-se uma crise muito grande de Estado. As declarações do presidente só são transferíveis ao seu porta-voz oficial, não podem ser terceirizadas informalmente, nem que seja a um filho.

O Globo

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