Plano de Moro estimula a violência em vez de combatê-la. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Plano de Moro estimula a violência em vez de combatê-la. Por Reinaldo Azevedo

8 de fevereiro de 2019 às 13h00 Por Heron Cid
O ministro da Justiça, Sergio Moro, participa de reunião da Frente Parlamentar da Segurança Pública para apresentar aos deputados as propostas do pacote anticrime - Pedro Ladeira - 6.fev.2019/Folhapress

Faço aqui um desafio: que alguém explique como o tal pacote apresentado por Sergio Moro pode resultar na queda da violência. O que está lá é a diminuição da interdição para matar. O plano tenta ainda dirimir questões constitucionais por meio de projeto de lei e transferir para o Ministério Público competências que, nas boas democracias do mundo, pertencem ao Judiciário. Estaríamos barganhando garantias democráticas por prerrogativas adicionais para o “Partido da Polícia”.

Em vídeo, Moro refletiu: “O crime organizado alimenta a corrupção, que alimenta o crime violento. Boa parte dos homicídios está relacionada à disputa por tráfico de drogas ou dívida de drogas. Por outro lado, a corrupção esvazia os recursos públicos que são necessários para implementar políticas de segurança públicas efetivas.” É mesmo?

Se Moro estiver certo, ao propor, na “Medida V”, regime inicialmente fechado para os crimes de peculato, corrupção passiva e corrupção ativa, estaria, na verdade, sugerindo um esforço para diminuir o tráfico de drogas nos morros do Rio. Segundo a circularidade indemonstrável do doutor, a prisão de assaltantes deixaria de sobreaviso os peculadores. No sentido inverso, ao trancafiar um corrupto, a polícia poderia comemorar: “Vai faltar pó para os bacanas”.

Apenas representantes de 12 estados compareceram à reunião com Moro. Boa parte estava lá um tanto ansiosa para saber como vai pagar os salários dos policiais. Foram brindados com um plano de consolidação do pega pra capar lava-jatista, que transforma o Ministério Público em Poder Judiciário paralelo, e com o roteiro para conferir emoção ao faroeste caboclo.

O que há de errado com Artigo 23 do Código Penal? “Não há crime quando o agente pratica o fato: I “” em estado de necessidade; II “” em legítima defesa; III “” em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único “” O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.” Na versão de Moro, haveria este apenso: “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.”

O Parágrafo 1º do Artigo 121 do mesmo Código já inclui a “violenta emoção” como causa possível de redução da pena em caso de homicídio: de um sexto a um terço. Insista-se: em caso de homicídio. Moro quer abrandar a punição “até a metade” ou extingui-la para qualquer excesso.

Estudo consistente, posso fornecer a fonte ao ministro, aponta que homicídios por impulso (“violenta emoção”) ou por motivos fúteis, a depender do Estado, caracterizam de 25% a 80% dos eventos com causas identificadas. A afirmação de Moro de que a maioria dos homicídios está ligada ao tráfico de drogas é chute. Até porque seria necessário conhecer os respectivos autores. E estes são identificados em apenas 8% das vezes.

Estabelece o Artigo 25 do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” Moro propõe que se acrescentem dois parágrafos:

“I “” o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e

II “” o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”

Justifica-se a morte preventiva. Há uma diferença entre quem repele “agressão atual ou iminente” e quem mata com o intuito de prevenir. Depois de aplaudir a facilitação da posse de armas e de piscar para a generalização do porte, o nosso justiceiro pretende dar efetividade à mudança. Ora, se um indivíduo não puder se armar, com direito ao “medo”, “à surpresa”, à “violenta emoção” e à morte preventiva, pode o quê? “Mais Brasil e menos Brasília”. O pacote de Moro não combate a violência. Ele justifica o violento. Eis o homem.

agressão à Constituição e o intuito de transformar o Ministério Público em Justiça paralela terão de ficar para outras colunas. Concluo esta: o combate à corrupção, segundo o entende Moro, nos trouxe até aqui, tá ok? Chegou a hora da metafísica da morte e do excesso escusável como portal para uma nova civilização.

Folha

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