Antônio Barros, a enciclopédia viva do forró – Heron Cid
Opinião

Antônio Barros, a enciclopédia viva do forró

25 de junho de 2017 às 15h42 Por Heron Cid
Na sua rica arte e no forró, paraibano escreveu um capítulo na música brasileira

“Morena diz onde é que tu tava/ Onde é que tava tu”. “Se correr o bicho pega/ Se ficar o bicho come”. “Bate, bate, coração, dentro deste velho peito”. “Eu sou o estopim da bomba/ É você que me faz ser assim”. “Vou falar pra todo mundo/ Porque até agora não nasceu/ Um neném, bonitinho, safadinho…”. “Na entrada, está escrito/ É proibido cochilar”. “Eu vou bulir, eu vou bulir com tu”. “O que a gente faz/ É por debaixo dos panos”. “Nem toda comida oferecida a gente come/ Mulher comprometida, casada, pra mim é homem”.

Provavelmente, você já se pegou cantando uma destas estrofes. Se não, já ouviu seus pais ou avós cantarolando. Elas integram o rico acervo musical do paraibano Antônio Barros, o mais longevo e criativo compositor do forró no Brasil, ainda em plena e lúcida atividade aos 87 anos de estrada e muito sucesso.

Em meio a esta polêmica toda, Antônio Barros – que na década de 70 incorporou a parceira Cecéu à sua obra – é parada obrigatória quando o assunto é São João e forró. Natural de Queimadas, o forrozeiro de centenas de sucessos é o que se pode chamar de uma lenda da discografia no Brasil.

Praticamente, todos os grandes intérpretes do ritmo gravaram suas composições. De Luiz Gonzaga a Marinês. De Dominguinhos a Elba Ramalho. Consagração que rompeu limites e chegou às vozes do naipe de Ney Matogrosso e Gal Costa.

Afora a incrível capacidade criativa com as palavras e sons de autor de gênio privilegiado, o que mais me impressiona em Antônio é o seu compromisso com a originalidade e matriz de sua música. A sua responsabilidade e identidade com as coisas do Nordeste de seu tempo e de ruas raízes. Coisa tão em falta.

Nas duas longas e deliciosas entrevistas que fiz com ele e Cecéu, essa sensibilidade salta aos olhos. Numa das conversas, fora das câmeras e microfones, nos bastidores, o ‘velho’ compositor – de olhos marejados – confessou sua preocupação com os descaminhos do forró e a necessidade cultural da preservação da sua história.

Esta atual derivação do ‘forró’, e seu multimilionário negócio, só existe porque um dia houve a vanguarda de um Luiz Gonzaga, um Antônio Barros e tantos outros que ralaram para vencer preconceitos e consolidar o estilo. Um passado que impõe a estas novas gerações – hoje no topo da fama – reverência e reconhecimento a este legado inapagável. E impagável.

Tão densa é sua obra que daqui a 500 anos, nenhum autor ou pesquisador poderá falar, dissertar ou estudar o forró ou o São João nordestino sem passar pelas páginas dos livros escritos pelos acordes e versos de Antônio Barros, uma enciclopédia viva, uma fonte que jorrou inspiração, consagrou muita gente e abriu portas para os que se acham na crista da onda, faturando em meses o que o mercado não lhe pagou em décadas de auge.

O seu imenso baú de histórias, manuscritos e imagens já constitui um Museu obrigatório para quem quer visitar esta arte. De imaterial, a ideia deveria ganhar forma e concreto. De preferência, em João Pessoa, onde atualmente Barros faz pouso e descansa da sua longa jornada. Aproveitemos a sua estada viçosa e saudável entre nós e não esperemos um dia pelas homenagens póstumas. Geralmente, falsas… E atrasadas.

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