Voltei, ontem, de um giro ao Interior impressionado com a falta de conhecimento da população em relação à polêmica do voto impresso proposto para as eleições de 2022, como deseja o presidente Bolsonaro na forma, também, como tramita no Congresso uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da deputada Bia Kicis (PSL-DF).
Assustou-me, especialmente, gente esclarecida achar que o voto impresso é regredir ao passado, votando em cédula de papel. Não tem nada disso, nem poderia. O que se debate hoje não é o retorno do voto em cédulas, mas a adoção de um comprovante em papel do voto dado na urna eletrônica. O comprovante não passaria pelas mãos do eleitor e serviria para uma auditoria dos resultados da urna eletrônica —ou seja, conferir se os votos dados pelos eleitores são iguais ao resultado computado pelas urnas.
A urna eletrônica será usada pelo eleitor do mesmo jeito. O que muda é a adição de um mecanismo complementar. A ideia passa pela instalação de impressoras acopladas à urna eletrônica, com um recipiente lacrado e transparente onde esses votos seriam armazenados. A proposta não prevê que o eleitor possa levar com ele um comprovante do voto. No procedimento, o votante poderia observar pela transparência do recipiente se o voto computado pela urna eletrônica corresponderia ao que foi digitado por ele no equipamento.
Defensores da medida argumentam que a auditoria do voto eletrônico, como é feita hoje, exige um conhecimento técnico especializado, o que exclui a maior parte da população desse processo. Essa proposta tem o nome de VVPAT, sigla em inglês para comprovante de votação verificado pelo eleitor. A ideia funciona da seguinte forma: o eleitor vota na urna eletrônica, e sua escolha é registrada também em papel por uma impressora acoplada e protegida por um acrílico —assim, ninguém tem contato físico com a cédula.
O eleitor verifica se o registro corresponde à sua vontade e confirma o voto. O papel é então despejado automaticamente em uma urna indevassável, o que resulta em dois registros do voto: o eletrônico e o impresso. No caso de contestação sobre o resultado das eleições e uma eventual recontagem de votos, isso pode ser feito tanto por técnicos, quanto pela sociedade civil.
Referenciais no Exterior – O voto impresso já é adotado por alguns países, como Índia, Argentina e Venezuela, que implementam o recurso de forma gradual. Alguns especialistas defendem que, em vez de trocar todas as urnas do País, isso seja feito apenas em um grupo de seções randomizadas, de forma a ter uma amostra auditável em papel dos votos. “Não é ruim ter a possibilidade de fazer auditoria em papel. O que não quer dizer que voto tem que ser em papel em todas as urnas. O governo pode aleatorizar em seções eleitorais urnas que imprimem o voto e auditar essas urnas. Se houver fraude, seria possível identificar a partir disso”, explica a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas.
Sem provas – Autora da PEC do voto impresso, a deputada Bia Kicis diz que não pode provar que a eleição presidencial de 2018 foi fraudada. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou, por mais de uma vez, que houve fraude no pleito que o elegeu, mas não apresentou provas. “Eu não vou entrar nesta seara. Sabe por quê? Porque eu não vou falar uma coisa que eu não possa provar. Eu não posso provar que teve fraude. Sabe por quê? Porque o sistema não é auditável”, disse, ontem, em entrevista à Folha de São Paulo.
Blog do Magno Martins