Apoio do Centrão não é barato, incondicional ou eterno (por Ricardo Rangel) – Heron Cid
Opinião

Apoio do Centrão não é barato, incondicional ou eterno (por Ricardo Rangel)

26 de julho de 2021 às 10h16 Por Heron Cid
Bolsonaro e Ciro Nogueira (Foto: Marcos Correa/ PR)

Bolsonaro chamou o senador Ciro Nogueira, um dos principais caciques do Centrão, para a Casa Civil.

É incontornável: quanto maior o desgaste do presidente na CPI e nos índices de aprovação, maior é a necessidade de apoio, e mais o presidente loteia seu governo e abre espaço ao Centrão.

Nogueira andava afastado de Bolsonaro ultimamente. Resistiu a ceder a legenda ao presidente, reconheceu o direito de Renan Calheiros de ser relator da CPI, afastou-se das sessões da comissão para não defender o indefensável. Agora inverte a ponta e se joga de corpo inteiro nos braços de Bolsonaro, onde já está seu correligionário Arthur Lira, presidente da Câmara, que hoje bloqueia nada menos do que 126 pedidos de impeachment.

Com Ciro (e Lira), Bolsonaro aumenta o apoio parlamentar, reduz o risco de impeachment, encomenda uma legenda para 2022 e monta o quartel-general da campanha. Quem sabe até emplaca um candidato a vice. Ciro e Lira ganham vantagens e prometem boa vontade. Só. Por um preço. Por um tempo.

O chiste do general Augusto Heleno (“se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”) vai se tornando literalmente verdadeiro. Está cada vez mais difícil encontrar no governo alguém que não esteja ligado ao Centrão — até os militares governistas se tornaram uma espécie de Centrão verde-oliva, e o próprio Heleno diz que “nem reconheço hoje a existência desse ‘Centrão’”.

“O Centrão é um abutre com apetite insaciável, tende a engolir o governo, o qual, quanto mais frágil fica, mais cede, e quanto mais cede, mais frágil fica”

A Casa Civil é o ministério mais importante, administra todos os projetos e cargos, cuida da relação com o Congresso. A pedra estava cantada desde a prisão de Fabrício Queiroz, e finalmente aconteceu: Bolsonaro entregou de vez a administração do galinheiro ao Centrão, isto é, à raposa.

A imagem do galinheiro entregue às raposas é adequada, mas há uma metáfora zoológica mais apropriada: a do capitalista abutre. Venture capitalist, ou capitalista de risco, é quem investe em empresas iniciantes com boas perspectivas e lucra com seu crescimento. Já o vulture capitalist, o capitalista abutre, financia empresas em sérias dificuldades (as carniças), que ninguém quer. As condições de financiamento exigidas pelo abutre são tão draconianas que com frequência matam a empresa. No fim, a empresa quebra, o dono fica pobre e o abutre sai ileso e rico.

O Centrão é um abutre com apetite insaciável, quer tudo isso e o céu também, tende a engolir o governo, o qual, quanto mais frágil fica, mais cede, e quanto mais cede, mais frágil fica. O apoio do Centrão é necessário para a sobrevivência a curto prazo do governo, mas não é barato, incondicional ou eterno.

O Centrão sabia que o voto impresso era a preparação do golpe, e o enterrou. Sabe que as perspectivas eleitorais de Bolsonaro são sofríveis, e não se compromete a apoiá-lo. O “guarda bom” Arthur Lira segura o impeachment, mas seu vice, o “guarda mau” Marcelo Ramos, ameaça votá-lo. Ao fim e ao cabo, o Centrão apoiará o presidente no que for bom para o Centrão, enquanto for bom para o Centrão.

Até quando, não se sabe. Depende da economia, da pandemia, da CPI, das manifestações de rua, de muitos outros fatores. Até da chuva.

Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748

Comentários