O governo Temer caminha para um fim melancólico. O golpismo desmoraliza-se cada dia mais. Posso arriscar, leitor, algumas previsões eleitorais? É uma temeridade, bem sei. Em política, vale com força especial a advertência de Keynes: “The expected never happens; it is the unexpected always” (O esperado nunca acontece; é o inesperado sempre).
Em todo caso, mantidas as regras do jogo (ressalva crucial), diria que o cenário hoje sugere o seguinte. Nenhum candidato remotamente associado a Temer e ao golpe de 2016tem chances de vencer a eleição presidencial de outubro.
Com a polarização do País, o Centro desapareceu. Foi preso o único candidato que poderia ser de centro. A esta altura, o favoritismo parece ser de candidatos de esquerda/centro-esquerda. Bolsonaro, único candidato competitivo pela direita, pode chegar ao segundo turno, mas dificilmente vencerá a eleição.
Se pudesse ser candidato, Lula seria eleito provavelmente já no primeiro turno. Mas tudo indica que a candidatura dele não será permitida. Um candidato indicado por Lula tende, porém, a ser forte, ainda mais se puder acenar de maneira crível com a sua libertação e um papel central para ele no governo. Ciro Gomes também é um candidato forte de oposição, tem vasta experiência, está com discurso afiado e evolui favoravelmente nas pesquisas de intenção de voto.
A esquerda/centro-esquerda está se preparando, portanto, para governar o País a partir de 2019. E, como sempre, uma pergunta crucial: “Como enfrentar os problemas econômicos?”
Primeira providência: não se apavorar. O quadro econômico é sabidamente muito difícil e tende a piorar nestes meses finais do governo Temer. Mas não há motivo para desespero.
Permita-me, leitor, uma rápida digressão. No início dos anos 1950, Churchill encontrou-se com um político irlandês, Sean Lemass, e observou que a situação na Inglaterra era “séria, mas não desesperadora”, ao que o irlandês retrucou que na Irlanda a situação era exatamente contrária: “desesperadora, mas não séria”.
Bem, a situação do Brasil não é desesperadora e – a julgar pelo governo que temos – também não é séria. Evidentemente, para milhões de desempregados e subempregados, para os que vivem na pobreza e na miséria, a situação é, sim, desesperadora.
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Mas o ponto de partida macroeconômico com que se defrontará o novo governo não é de todo desfavorável. Contrariamente ao que se repete com frequência, o Brasil não “quebrou” nem no governo Dilma nem no governo Temer. Esse é um discurso não só falso, como perigoso, pois favorece aqueles que querem comprar e vender ativos brasileiros numa suposta bacia das almas.
Como poderia estar “quebrado” um país que dispõe de reservas internacionais de 380 bilhões de dólares, formidável proteção contra choques externos? Como poderia estar “quebrado” um país que apresenta um déficit de balanço de pagamentos em conta corrente modesto (0,4% do PIB)?
Que recebe investimentos diretos do exterior (uma forma normalmente mais estável de capital) em montante sete vezes superior ao déficit em conta corrente? E que vem adotando, com relativo sucesso, há quase 20 anos, um regime de câmbio flutuanteadministrado, outra proteção contra choques e turbulências internacionais?
A isso se acrescenta o sucesso no controle da inflação, que remonta ao Plano Real de 1994. Excetuados alguns períodos relativamente curtos de instabilidade, o Brasil tem mantido a inflação controlada por quase 25 anos – feito considerável para um país com turbulento histórico monetário.
No passado recente, a inflação está até baixa demais, inferior ao piso do regime de metas de inflação que orienta a política monetária. Mas, assim como a pressão arterial baixa é menos grave do que a alta inflação baixa, é um problema geralmente mais fácil de resolver do que inflação alta demais.
Os problemas macroeconômicos brasileiros mais agudos são, como se sabe, as finanças públicas e o desemprego elevado. Cabe reconhecer, inclusive, que os pontos fortes – setor externo forte e inflação controlada – são em parte (mas só em parte) reflexo do elevado desemprego dos fatores de produção.
O que torna o quadro particularmente difícil é o fato de que a solução do problema fiscal conflita, de imediato, com a solução do problema do desemprego. O ajuste por meio de corte de gastos ou aumento de tributos tende a deprimir ainda mais os níveis de atividade e de emprego.
O meu espaço acabou. Acabei escrevendo, leitor, um artigo bem otimista – espero que não demais. No meu entender, há meios de enfrentar o dilema ajuste fiscal/recuperação da economia e conciliar a solução dos dois problemas. Mas essa discussão fica para outra ocasião.