Ainda estamos aqui – Heron Cid
Opinião

Ainda estamos aqui

3 de março de 2025 às 09h52 Por Heron Cid
Família vitimada pela dor e covardia conserva o sorriso da resistência no olhar

Antes de vencer o Oscar de melhor “filme internacional”, o nosso “Ainda Estou Aqui” ganhou primeiro o coração do Brasil; 5,2 milhões de brasileiros foram aos cinemas para assistir ao drama da família Paiva, um comovente recorte da criminosa ditadura militar no país.

Como disse o diretor Walter Salles, logo após a inédita premiação, “o público virou coautor do filme”. E num presente determinante e emblemático do nosso tempo, em que revisitar o passado é vacina para blindar o futuro.

A obra nos faz encarar o espelho e enfrentar nossos fantasmas. Os que ainda teimam em sair dos sepulcros para assombrar, os que ainda são insistente e miseravelmente exorcizados.

O martírio solitário sofrido pelo clã Rubens Paiva narra com letras grandes e tintas de sangue o período no qual o Estado brasileiro mergulhou na mesma clandestinidade imposta aos que elegeu adversários.

Para asfixiar seus inimigos, o regime da época desceu – literalmente – aos porões da indignidade e se transformou imagem e semelhança naquilo que acusava. Subverteu o Estado de Direito e institucionalizou um Estado Bandido. Violentou direitos e limites civilizatórios.

O filme bota o dedo nessa ferida ainda chagada. Exuma as barbaridades anistiadas e jogadas para debaixo do tapete do tempo. Sem punição, sem autocrítica. E, em muitos casos, com cínicas e cruéis homenagens a torturadores, como fez o então deputado Jair Bolsonaro.

Nessa quadra de radicalizada polarização e de rompantes nostálgicos por um regime atroz, o filme cumpre pedagogia do resgate da realidade e bom senso. Sua audiência chega ao consenso mínimo; autoritarismo não é bom e ditadura não é aceitável. Ponto.

A arrebatadora atuação de Fernanda Torres tirou do anônimato Eunice Paiva, uma mulher que, mesmo vitimada pelo arbítrio, conseguiu arrancar de si e dos filhos órfãos um sorriso para a fotografia da história de resistência contra a dor e a covardia.

A conquista da estatueta premia a arte, a democracia e reaviva a memória do Brasil. Torcer e comemorar esse reconhecimento não foi, não é e nunca será questão de partido, ideologia, lado ou militância. É questão de dignidade, de ser humano! Mais do que nunca, ainda estamos aqui!

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