Assim que a viu, o menino a quis muito para si. As asas de um colorido amarelo e cinza, manchas de sóis em cada face iluminaram os verdes olhos de quem já contava as horas e sonhava – tantas vezes – com a sua chegada.
Na loja, a escolhida e a irmã precisaram se despedir para sempre. Para a difícil escolha, aconselhado o menino em toda sua pureza foi para um cantinho pensar e pedir a Deus um sinal. Voltou com a decisão. No coração do pai ainda tocou o desejo de levar as duas e impedir o trauma da separação. Não deu.
Na família de primeira viagem, a casa se encheu de alegria e cuidados para receber a nova integrante. E se adaptou. Algum requinte da varanda gourmet logo foi transformado em quintal improvisado e abrigo a um amor de penas macias e bico arredondado. O sonho do menino que apenas queria ter seu pet. Como todos os seus amiguinhos.
Ainda tentou-se um nome, mesmo sem saber ao certo se aquela frágil vida de três meses era ele ou ela. Oficialmente, saiu Pipoca, mas o batismo que ficou mesmo veio naturalmente de uma vozinha de dois anos e para quem simplesmente ali estava “Psita”. E ficou!
Ah, como ficou… Ficou pela casa, nos passinhos curtos e amedrontados. Nas refeições tímidas e desconfiadas, na vacilação de subir ao dedo de quem tentava amansá-la, no seu canto, na resistência à gaiola, nas sementes e outros rastros espalhadas pelo porcelanato.
Em uma semana, tudo – surpreendentemente – mudou. Os quatro moradores despertavam correndo para ver e ajudar a nova moradora nas primeiras horas do amanhecer. Na mudança da comida, na troca da água. Ou na singela comtemplação.
Naquele sábado, especialmente, no sétimo dia da sua chegada, parecia mais agitada. Bisbilhotava lugares fora do território ofertado, se arriscava mais próximo das pessoas, bicava a sandália e a mão de quem tentava tocá-la. Ora parecia defesa-ataque, ora carinho e interação maladrinha.
Dessa vez tentava muito voar. Pra lá e pra cá. De asas aparadas, querer ir muito além do limite concedido pelos humanos. Parecia querer atingir a altura da sua natureza. A natureza que Deus lhe concebeu. Talvez, quem sabe, para achar a irmã perdida. Ela só queria voar.
E no tamanho que podia saltava. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Sem parar e sem temer ser o que foi criada para ser. Até ser interrompida pela necessidade da ausência temporária da sua plateia. Por prevenção, voltou à gaiola, onde poderia estar protegida de acidentes. Inquieta, não dava sinais de consolo de que aquele era seu lugar. Ela só queria voar.
Na volta para casa, ao abrir da porta, a primeira e instintiva atitude de todos foi procurar pela mais nova alegria do lar. No aproximar da varanda, o choque dos olhares diante da cena desoladora. Um silêncio sem vida, as asinhas inertes presas nas grades de quem se esforçou muito e lutou até o fim para viver o voo que não deu tempo existir. Ela só queria voar.
E o menino inconsolável em prantos aos pés de Deus e implorou – ingênua e comoventemente – o milagre da ressurreição. Com o rosto banhado de soluço de uma dor inconformada, chorou – como nunca antes – pela sua amiguinha de vida tão fulgaz. A “Pisita”, que tanto sonhou tê-la, continuará colorida nos seus sonhos. Mas, agora, enfim, voando livre nos céus e na memória do ninho que em sete dias mudou para sempre. Ela só queria voar…E voou para o dedo do seu criador.