Ainda posso ver aquele balcão cumprido de madeira. Por trás dele, entre pipocas, panos de prato, confeitos, bomboniere, rapaduras e garrafas, a figura do bom homem sorridente.
De rosário no pescoço e todo vestido de marrom, ele fazia jus ao nome do estabelecimento: Mercearia São Francisco, santo de sua devoção.
Lembro que, aos sete anos, fomos – minha avó dona Nuita e eu – junto com ele e família pagar uma promessa em Canindé. Na excursão de ônibus saindo de Marizópolis, vestidos com a cor do santo para entregar a roupa na igreja da cidade cearense.
Francisco também no nome, Seu Chico Laurindo carregava a bondade nos olhos sem ganância e nos gestos fraternos das mãos. Era um franciscano.
Tinha sempre uma brincadeira guardada com qualquer cliente que chegava. Moleque, levava a cadernetinha lá de casa sempre que alguma coisa da feira e da dispensa faltava.
Nunca sai sem um agrado na mão, um pirulito, uma bala. Ou um beliscão maroto.
Via nele a aura de avô que eu não tinha. Com aquele acolhimento, voz mansa e jeitão amigo conquistava e cativava todos. Velhos e novos, clientes e passantes da rua principal.
Carismático, Seu Chico bem que poderia ter sido um padre. Fé e disposição de servir não lhe faltavam, mas sua vocação era para homem da família harmoniosa que construiu.
Fui da sua casa e dos seus filhos, amizade herdada de minha mãe, Marizete. De vê-lo chegando para o almoço e saindo faceiro e cantante de volta para seu comércio. Sempre com aquele sorriso no rosto para partilhar com quem atravessava sua estrada de homem bom, até que a covid cruzou o seu caminho e o levou ao destino do adeus. Ele e bodega ficarão no armazém da saudade.
*Homenagem póstuma.
Para Téca, Deuzinho, Ana Rita e Laurineto.