Os homens de visão de longo alcance costumam ser confundidos com lunáticos. Os sonhadores geralmente desdenhados e alcunhados de bobos, fúteis…
Sempre foi assim. Em defesa própria, a mediocridade prefere o pragmatismo imediato daquilo logo à frente do nariz, o que dá pra apalpar e medir, aos riscos do desconhecido e intangível.
Quando vi as águas da transposição rompendo a barragem de São Gonçalo, em Sousa, avistei do outro lado invisível um profeta em silêncio.
Já velho em idade, fatigado pelas marcas do tempo e um rosto banhado de realização e plenitude. Não daquelas que saltam do ego, mas das que brotam da nascente do genuíno querer e lutar.
Enquanto a multidão comemorava em todo encantamento, ele mirava fixamente na explosão do brilho do encontro da correnteza com as luzes do sol a pino.
Celulares nas mãos gravavam a cena e todos, quase em procissão, faziam ode ao que, finalmente, enxergavam escorrendo nas pedras o milagre da ressurreição do Rio Piranhas.
Uns viam só água abaixo. O profeta contemplava o verde, a plantação, o colorido das frutas, o alarido da colheita, a bossa do pescador, os carros chegando e saindo, e a indústria transformando brotos em renda.
Ele, o profeta, nada dizia. Parecia em oração. Nas memórias, desaguava sua pregação solitária entre universidades, seminários, tribunas, gabinetes e o grito árido do alto-falante dos caminhões bradando até em terras estrangeiras.
Ecoava ainda os “nãos”, as greves, a ferocidade dos ribeirinhos e indígenas, o boicote dos tubarões de estados poderosos. Ardia ainda nas frontes a burocracia dos grandes, a descrença dos pequenos.
Não. Não havia mágoa. De sua face, só emergia um riso incontido, quase ingênuo de menino teimoso. O olhar, que tanta escassez testemunhou, agora era úmido, derramando uma cachoeira de emoções.
De longe, observava até não me conter de curiosidade. Desci a ribanceira, atravessei a turba e cheguei perto atraído pela aura do espírito ereto e o semblante de quem combateu o bom combate e guardou a fé.
De perto, reconheci as feições. Ainda atônito pelo transe das águas no semi-deserto, pensei que era miragem, recobrei a consciência e perguntei já sem dúvida:
– Quem é o senhor?
A resposta mansa e firme:
– Marcondes Iran Benevides Gadelha!