Pense numa carreira grande (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

Pense numa carreira grande (A Crônica de Domingo)

12 de dezembro de 2021 às 15h53
Por entre veredas e garranchos, quintais, varais, muros e casas, a saga de um maratonista do medo por um dia

Todo mundo da turma avisava que o cabra era nó cego, principalmente quando bebia. Também com um nome daqueles, “Fuá” não poderia ser outra coisa. Era a própria confusão em pessoa.

Depois de tomar umas e todas, exibia o chicote na mão e aterrorizava. Brigava na rua, desafiava sua própria valentia e até a polícia o temia, diziam os admiradores de sua fama de tranca rua.

Quando cheguei no campinho de terra batida ao lado do matadouro público, lembrei logo da figura e da descrição. O dito cujo costumava ficar lá por perto ajudando na matança de gado.

Apreensivo, era um olho na bola e outro no matagal ao redor. Como que adivinhando o meu temor pessoal e do resto do time, pois não é que o terror da meninada resolveu dar as caras.

Como um fantasma, surgiu do meio dos arbustos de mufumbo e marmeleiro. Na verdade, nem vi direito. Só ouvi alguém avisar e gritar alto o nome do mal assombro.

Sem nem olhar para trás, meti o pé. Nem sentia as pernas. De um tirinete só cortei caminho, garranchos, muros e quintais. Quanto mais corria, mais sentia que a morte se aproximava.

Só dava para ouvir as passadas logo atrás. A qualquer momento seria alcançado e cortado em bandas, do jeitinho que ele repartia com seu machado novilhos, bois e vacas.

Passei por dentro de corredores de casas como um relâmpago, sem nem explicar de onde vinha e nem para onde ia. Derrubei varais, chutei baldes e empurrei portas.

Só me dei conta onde já estava quando reconheci a rua Dedé de Senhor, mas mantive a velocidade. Deixei para trás o colégio estadual, peguei o acostamento da BR-230 e no meio da feira de domingo do mercado saí serpenteando entre barracas, compradores e vendedores até chegar na Ana Rocha.

Ao pular a janela e, finalmente, me abrigar na sombra e proteção do número 18, o maior suspiro do mundo e a sensação de alívio tomou conta. Lentamente, o sangue voltou às veias. Procurei e achei as pernas.

Estava, enfim, são e salvo do coisa ruim, graças ao heroísmo da recém-descoberta desenvoltura digna de maratonista e corredor de alto desempenho.

O medo deu lugar ao orgulho. Passei dias fascinado com aquela carreira meteórica. Mas, só até o dia que reencontrei os amigos da pelada e fui recepcionado com risadinhas e mangação.

Foi quando fiquei sabendo: ‘Fuá’ – o terrível – nunca apareceu por lá. Foi só um gaiato que saiu do mato gritando pelo nome dele.

Depois da cara de paisagem, o sangue, de novo, sumiu. Dessa vez, de vergonha!

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