Na reta final da eleição da OAB, uma pergunta: quem é mesmo Rafaella Brandão, a nova vice de Harrison? – Heron Cid
Opinião

Na reta final da eleição da OAB, uma pergunta: quem é mesmo Rafaella Brandão, a nova vice de Harrison?

13 de novembro de 2021 às 14h53
Mulher e negra, Rafaella Brandão diz que OAB não é só para advogados, é para a sociedade

A pergunta já ouvi. Já fiz também. É natural a curiosidade para saber quem de fato é mesmo a candidata guindada de “última hora” à vice na chapa do advogado Harrison Targino, por força de uma renúncia, duas semanas antes da ruidosa eleição da OAB-Paraíba.

Se recorresse à assessoria da campanha, obteria o trivial: releases. Se ouvisse advogados, a impressão particular de cada colega dela. Fui direto na fonte e me surpreendi ao me deparar, antes de tudo, com uma colega jornalista.

Sim, a pessoense Rafaella Brandão fez Jornalismo na UEPB, em Campina Grande. Foi no curso – confessa – que se apaixonou pelo que mais tarde viria ser sua grande paixão e obstinação pessoal: a ciência política e as causas sociais.

Ainda na primeira graduação, despertou para o Direito. Gostou tanto que, em paralelo à atividade acadêmica inicial, ia e vinha todos os dias de Campina Grande para João Pessoa, de ônibus, correndo para concluir duas graduações em cidades separadas por 130 km.

Neta de um mestre de obras, que formou os filhos com muito sacrifício, ela foi a primeira jurista da família de origem humilde. Vivia subindo e descendo de ônibus da Lagoa ao Unipê. Para aprender Direito, fez incontáveis estágios voluntários, até que a situação da casa com três filhos apertou . Agora só um estágio remunerado salvaria o esforço até ali.

Buscou a oportunidade junto ao advogado Leopoldo Viana e ficou na fila de espera. Dias após, ouviu o telefone tocar e o experiente profissional perguntar: “Você ainda quer o estágio”? A resposta do outro lado da linha: “Eu não quero. Eu preciso. Do contrário, não termino o curso”.

Ao concluir a graduação, uma decepção. Encontrou uma OAB elitista, sem espaço para anônimos. Preta e sem sobrenome importante, como ela se auto-retrata, Rafaella sentiu que – mesmo morando onde o sol desperta primeiro – só conseguiria lugar debaixo dele pela educação.

E lá foi, de novo, à luta. Na Itália, para onde migrou para estudar, foi mãe. No país europeu sentiu na pele dois pesos: o da cor e o das dores e incertezas dos imigrantes. Escolheu Criminologia Social (em gênero) na Universidade de Pisa. O pai ficava com a filha pequena enquanto Rafaella pegava sete horas de trem para cumprir as etapas da pós-graduação. “Minha vida sempre foi de luta, Heron”, disse ao autor do Blog com voz embargada.

E lá viveu experiências pessoais e dramáticas entre os excluídos. Decidiu não apenas estudar. Escolheu agir. Estagiou em abrigos e integrou grupos de valorização dos imigrantes, cujas mulheres sofriam as maiores consequências de enfrentar as disparidades culturais.

“Elas se sentiam inferiores, se achavam feias, viviam trancadas em casa, por serem minoria. Os curso que oferecíamos eram lúdicos e ao mesmo tempo empoderadores, uma força para correr atrás dos sonhos, porque muitas entravam em depressão”.

Nesse período, a paraibana conheceu e trabalhou com o professor Fernando Biagui, um nativo da Guiné-Bissau, coordenador de projetos do fundo social europeu. “Ele também era excluído e não conseguia trabalhar como professor”, relata.

Dessa experiência – conta Rafaella – um grande aprendizado: não se deve subestimar ninguém. “Nós temos que respeitar as diferenças e precisamos acolher essas mulheres com igualdade”. Uma lição que a advogada pretende exercer na plenitude na Ordem dos Advogados da Paraíba.

“Eu desejo representar todos esses advogados que estão esperançosos com a continuidade de um projeto plural e inclusivo. Eu era uma dessas advogadas invisíveis e que foi contemplada pela nova visão de gestão do professor Paulo Maia, a quem aprendi a admirar desde a faculdade. Eu sou fruto desse modelo”.

E a candidatura à vice no meio de um processo turbulento? “Mesmo com todas as minhas características que poderiam ser impeditivas, a escolha não me causou surpresa. Porque pessoas como eu já têm espaços de fala”, enfatizou a ouvidora da Comissão de Combate à Violência Contra a Mulher e presidente da Comissão de Combate ao racismo e Discriminação.

A proposta partiu da então vice, Izabelle Ramalho, a quem Rafaella trata como “companheira de luta”. “O coletivo aceitou porque muitos vieram de onde eu vim se identificam comigo”.

“A vaga de vice é um espaço que posso lutar por tantos que, como eu um, dia precisaram de uma oportunidade”, ressalta.

De tudo que Rafaella Brandão disse, ficou para o Blog uma frase, em especial, sobre o que a move nessa peleja renitente – muitas vezes insana – pelo comando da OAB na Paraíba. “A OAB não pode ser só pra os advogados, a OAB é para a sociedade, para o social”.

Que assim seja. Independente de quem vencer a eleição deste dia 18, uma quinta-feira histórica para a advocacia paraibana.

Comentários