Memórias: revólver na cintura, prefeito ameaça jornalista (por Magno Martins) – Heron Cid
Bastidores

Memórias: revólver na cintura, prefeito ameaça jornalista (por Magno Martins)

28 de março de 2021 às 11h42
Orismar Rodrigues, colunista social

Na sequência da reedição do livro “A derrota não anunciada”, de minha autoria, trago, hoje, um dos capítulos mais bombásticos que marcaram as eleições de 2000 no Recife: os bastidores do episódio que marcou a invasão à redação do Jornal do Commercio pelo então prefeito e candidato à reeleição Roberto Magalhães, filiado na época ao PFL, hoje DEM. De arma na cintura, um revólver calibre 38, Magalhães ameaçou de morte o jornalista Orismar Rodrigues, ex-colunista social do periódico, insatisfeito com notas que, na interpretação de Magalhães, insinuavam um veto da sua mulher Jane a uma obra fálica de Brennand no Recife Antigo. Confira abaixo!

A invasão ao jornal

Capítulo 4

Roberto Magalhães era um dos convidados ilustres para um almoço que o governador Jarbas Vasconcelos ofereceu ao então presidente do BNDES, Andréa Calabbi, no dia 9 de agosto de 1999, no salão de banquetes, do Palácio do Campo das Princesas.

Calabbi havia assinado alguns protocolos com o Governo do Estado para financiar projetos na área de infra-estrutura, que contemplavam a Prefeitura do Recife. As negociações haviam sido conduzidas pelo então vice-presidente Marco Maciel, que participou do almoço.

Também almoçaram no Palácio o vice-governador Mendonça Filho, o então superintendente da Sudene, Aloísio Sotero, e o senador Sérgio Guerra, na época deputado federal. Da equipe de Jarbas estavam os secretários Edgar Moury Fernandes, Lúcia Pontes e Fernando Duere.

Sozinho, Magalhães chegou, pontualmente, no horário previamente agendado. Calado e sisudo, deixava patente o semblante carregado e tenso exibindo um óculos de sol, que não tirou em nenhum momento, apesar da pouca luminosidade do ambiente palaciano.

Magalhães falou muito pouco. Chamou mais atenção pelo fato de consultar o relógio, a todo instante, sinalizando que tinha pressa em ausentar-se. O governador anfitrião não percebeu nenhuma anormalidade. Só estranhou os óculos escuros e o fato de Magalhães, dado a uma boa prosa, quase não ter aberto a boca.

Assim que se serviu da sobremesa – doces caseiros com queijo de coalho – Magalhães se retirou, justificando que iria ao Jornal do Commercio. Jarbas ainda o levou até a porta do elevador, mas, como tem um estilo discreto, não perguntou a razão da visita. A invasão ao JC martelava sua cabeça desde o café da manhã, depois da leitura dos jornais. Mas, não consultou ninguém, nem sua mulher. O prefeito fez questão de fazer tudo sozinho. Dispensou o segurança e se dirigiu ao jornal sem sequer o motorista desconfiasse de que algo de muito grave estava para acontecer.

Uma hora depois, quando já despachava em Palácio, o governador recebeu a notícia, dada pela sua assessoria: o prefeito acabara de invadir a redação do JC, com uma arma na cintura.

O alvo era o colunista social Orismar Rodrigues, que, segundo o prefeito, o teria desonrado ao publicar nota sobre o veto ao projeto da Torre Farol do Recife, de autoria de Francisco Brennand. Na verdade, a nota sequer citava o nome do prefeito nem muito menos o da sua mulher, Jane Magalhães.

Magalhães não invadiu, literalmente, a redação do jornal. Ele chegou na recepção e pediu para falar com o editor-chefe, Ivanildo Sampaio, que, imediatamente, o atendeu. A conversa se deu na sala do editor. Magalhães pediu a Ivanildo para chamar o colunista social. Olhando em direção a Orismar, o prefeito, propositadamente, abriu o paletó, para exibir a arma que estava na cintura e ali foi logo perguntando, em tom ameaçador:

– Quantos anos o senhor tem?

Orismar respondeu, secamente, informando seus anos de labuta.

Magalhães prosseguiu:

– Quer viver mais 20 anos? Então, pare de fazer ataques a minha família.

Trinta minutos depois, o assunto já era manchete nos principais portais de notícia on-line. Os próprios jornalistas do JC, indignados com o fato, dispararam e-mails para todos os veículos de comunicação.

Ironia do destino: nesse mesmo dia, o então secretário de Imprensa da Prefeitura do Recife, Thomaz Filho, havia almoçado com o editor-chefe do JC e o diretor comercial, Sérgio Moury Fernandes, num restaurante em Boa Viagem.

Avisado do incidente pela assessoria do gabinete do prefeito, Thomaz Filho ainda chegou a tempo de encontrar Roberto Magalhães na sala de Ivanildo Sampaio. Sem saber detalhadamente o que ocorrera, na saída do jornal, comunicou que havia almoçado com o editor-chefe.

Ainda colérico, Magalhães disparou:

– Por que não aproveita e janta com ele, também?

Aí, Thomaz, ressabiado, percebeu que algo de muito grave havia ocorrido, mas só se inteirou, de fato, quando seguiu no mesmo carro do prefeito, do JC até o prédio da Prefeitura, no Cais do Apolo. Thomaz assustou-se quando viu o revólver.

Diante do relato de Magalhães, o assessor não titubeou:

– Isso é muito grave, doutor Roberto.

O prefeito passou a tarde no gabinete recebendo telefonemas e visitas de solidariedade. O governador Jarbas Vasconcelos não ligou. Foi, pessoalmente, na Prefeitura, se inteirar do que havia ocorrido e se solidarizar com o aliado.

No dia seguinte, às 8:30, toca o telefone na casa da então colunista política do Diário de Pernambuco, Divane Carvalho. Na linha, um Roberto Magalhães bem humorado, como se nada tivesse ocorrido, dizia que havia lido a coluna dela e achado muito engraçado. E que gostaria de tratar com ela sobre o assunto.

O comentário de Divane era bem apimentado, no seu estilo provocador. Aduzia, com humor, que se o mundo um dia viesse a desabar, já havia desabado, antes, naquele 9 de agosto, na cabeça de Roberto Magalhães.

O prefeito acertou com ela uma entrevista exclusiva, sem que o secretário de Imprensa, Thomaz Filho, fosse previamente consultado ou comunicado. Tenso, temendo problema com os concorrentes, principalmente o JC, palco do incidente, Thomaz alertou o doutor Roberto para uma reação em cadeia por parte da imprensa.

Magalhães fez ouvidos de mercador. Aceitou apenas a sugestão de dar um telefonema para Ivanildo Sampaio. E assim o fez.
Divane chegou ao gabinete do prefeito às 10 da manhã, conforme havia combinado.

Ao contrário do que imaginava, se deparou com um Magalhães sorridente, disposto e bem humorado. Na entrevista, publicada no dia seguinte, o prefeito explicou as razões do seu gesto na mesma direção que adotou ao longo da campanha, quando provocado.

Em 16 de agosto de 2000, quando a campanha do primeiro turno pegava fogo, Magalhães aceitou convite para participar de uma entrevista on- line, no site do Jornal do Commercio. Abaixo a reprodução, na íntegra, do que ele disse naquele dia:

“Durante uma semana, fui alvo  de uma acusação mentirosa e mesmo carregada de torpeza: a de ter tentado censurar um projeto de um artista ceramista pernambucano. Publiquei uma nota quando tentaram apontar minha mulher como responsável pela inexistente censura. Avisei na nota que não mais admitiria ofensas pessoais. Como a campanha não parou, fui a um jornal advertir um colunista de que não mais fizesse ataques a mim e a minha família. Desde logo, reconheci ter errado e pago um alto preço por ter ido armado, embora não pretendesse matar ninguém, mas apenas defender-me de uma possível tentativa de desmoralização dentro do jornal, na pressuposição de que lá houvesse seguranças. Felizmente, este é um episódio passado e arquivado, não existindo sequer inimizade ou hostilidade entre mim e o jornalista”.

Até hoje, Ivanildo tem a firme convicção de que não foi Orismar Rodrigues quem provocou a ira do doutor Roberto, mas o jornalista Marco Aurélio de Alcântara, que, no mesmo dia, no JC, havia publicado um duro artigo condenando o veto do prefeito à obra de Brennand.

“Francisco Brennand me telefonou injuriado com o veto ao seu projeto. Na época, apesar de escrever na Folha de Pernambuco, pedi para Ivanildo abrir um espaço para mim, tendo em vista que o JC era o jornal que mais havia se aprofundado na polêmica”, relembra Alcântara.

“Fiz um artigo ironizando o falso moralismo do prefeito a uma obra fálica, erótica”, acrescenta. Alcântara, ao contrário de Ivanildo, acha que, embora o seu texto tenha irritado bastante o prefeito, na verdade o seu alvo era Orismar Rodrigues, titular de uma coluna que vinha dando muitas notas sobre o assunto.

O tempo se encarregou de cicatrizar a ferida na relação, até então cordial, entre o político e o jornalista. O empresário Ernesto Margolis, velho amigo do ex-prefeito, promoveu um café da manhã em seu apartamento, na avenida Boa Viagem no qual Orismar e Magalhães fumaram o cachimbo da paz.

Mas, não houve um pedido de desculpas pelos jornais, como esperava o colunista. “Foi um gesto pessoal. Ele deveria ter se desculpado também de público”, lamenta Orismar, que teve um comportamento muito discreto no episódio. No café da manhã, Orismar relatou que, em nenhum momento, lhe passou pela cabeça a idéia de atacar a honra do prefeito, até porque conhecia muito bem a sua família e tinha uma relação de amizade com seus filhos.

“Disse a ele que não era um colunista político, mas social, e que tinha dado algumas notas em defesa de um projeto cultural, sem citar ninguém, nem ele nem sua mulher, em nenhum momento”, lembra, adiantando que, também, preferiu não prestar queixa policial, na condição de vítima de uma ameaça de morte.

O colunista lembra que, na época, o assunto teve tanta repercussão que chegou a dar entrevistas para diversos jornais dos Estados Unidos e da Europa. “Mas, em nenhum momento, levei adiante, porque era uma coisa que queria esquecer e esqueci completamente”, observou.

O Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco promoveu ato de repúdio ao prefeito, na Praça Oswaldo Cruz, uma semana após o incidente. Mais de 1,5 mil pessoas participaram, entre jornalistas, políticos, publicitários, advogados e representantes dos mais diversos segmentos da sociedade civil.

No dia seguinte ao episódio, o JC e o Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco publicaram a seguinte nota nos jornais locais:

“O Jornal do Commercio e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco vêm, de público, lamentar atitude do prefeito da cidade do Recife, Sr. Roberto Magalhães que, ontem à tarde, portanto uma arma de fogo na cintura, entrou na redação do JC para reclamar da cobertura dada pela imprensa à polêmica do projeto Eu Vi o Mundo… Ele Começava no Recife.

A atitude do prefeito, a quem o JC e os jornalistas de Pernambuco sempre trataram de forma respeitosa, não condiz com sua história política e nem com a dos líderes políticos de Pernambuco. Tanto o Jornal do Commercio como os jornalistas pernambucanos não estão acostumados com esse tipo de comportamento, que em nada ajuda na construção da democracia.

E, por isso, esperam continuar mantendo com o prefeito da Cidade do Recife, como de resto com toda a sociedade, o diálogo e a relação sempre cordial e respeitosa, instrumentos únicos através dos quais vamos consolidando o processo democrático brasileiro, conquistado com esforço de todos, inclusive da Imprensa”.

Blog do Magno Martins

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