Ensaio sobre cegueira em tempos de cólera – Heron Cid
Crônicas

Ensaio sobre cegueira em tempos de cólera

18 de dezembro de 2020 às 12h13
Depois de Luiz, Vilma, Égina e Péricles, sucumbiu Manoel, marido de Vilma: todos médicos mortos na mesma semana

Cinco médicos morreram esta semana na Paraíba. Dois terça, dois quarta. Mais um hoje, a esposa de um deles, igualmente médica, morreu antes. Marido e mulher num intervalo de três dias.

Nessa lista, Péricles Rodrigues Neves, radiologista sousense que conheci ainda menino e fui paciente de tantas vezes levado por minha mãe para bater chapa dos pulmões. Um abnegado pelo ofício que escolheu.

As mortes desses profissionais causam impotência. Se os técnicos da área não estão conseguindo se proteger e nem se salvar, o que pensar de nós? Foi a interrogação pertinente do meu amigo e juiz Edivan Rodrigues, sousense como doutor ‘Pepé’.

Essas mortes em série só não chocam mais do que a cegueira voluntária de tantos. Elas desafiam, desautorizam e cortam feito faca cada palavra de indiferença, cada cena de negação, cada tentativa de fuga dessa realidade mortífera.

Péricles, Luiz Gomes, Égina Maria, Vilma Boulitreau, Manoel Boulitreau iriam morrer algum dia. Sim, como todos nós. Mas, morreram em decorrência do novo coronavírus. Fato. E fatos não são vencidos por teorias.

Em Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago convida o leitor a fechar os olhos e ver, resgatar a lucidez e o afeto, coisas que muitos parecem ter se deixado perder porque estão lutando apenas para provar que estão com a razão. Qual?

Entre literatura e sabedoria, Saramago, no livro de 1995, nos lembra “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. Era uma profecia para estes tempos de cólera.

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