Incentivo presidencial à desobediência civil (por Anne Nunes) – Heron Cid
Bastidores

Incentivo presidencial à desobediência civil (por Anne Nunes)

30 de março de 2020 às 16h47 Por Heron Cid
Proibido de fazer propaganda na mídia, Bolsonaro foi às ruas de Brasília

Se a quarentena é arsenal permanente de informes do coronavírus, é período também escasso para analistas políticos. Sobra praticamente análise sobre a crise e o monitoramento das alopradas do presidente da República.

Nesse período, também recluso em casa e dividido em atividades domésticas partilhadas com dona Marly Lúcio, me socorro de textos generosamente encaminhados por colegas.

Ontem, foi a jornalista Nayanne Nóbrega, ex-colega de batente e de Portal MaisPB. Hoje, foi a jovem jornalista Anne Nunes, autora de texto e comentário acerca das atitudes incomuns de Jair Bolsonaro.

A reflexão a seguir é dela. Confira:

Às vésperas do aniversário do golpe de 1964, Jair Bolsonaro parece estimular o caos no país. É cada vez mais temerário o discurso, as ideias e as ações do excelentíssimo presidente, que prega o fim do isolamento social como estratégia de resposta à pandemia da COVID-19, contrariando todas as evidências científicas feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na última quarta-feira (25), Bolsonaro afirmou que o Brasil arrisca “sair da normalidade democrática” por causa do “eventual caos” instalado pela paralisação da economia em função da pandemia, e voltou a defender a reabertura do comércio. Bolsonaro tenta promover o chamado “isolamento vertical”, ou seja, apenas dos grupos de risco, como os idosos e imunossuprimidos.

Mas a realidade nos mostra que o coronavírus não é apenas mais uma gripezinha e vem sim acometendo muitos indivíduos na faixa etária dos 20 aos 40 anos. O argumento adotado pelo presidente e reverberado por uma parte da população é, no mínimo, irresponsável e negligente. Existe gravidade e o sistema público de saúde já está sobrecarregado.

Infelizmente, parece que a mentalidade bolsonarista está rapidamente contaminando muita gente e expondo o Brasil ao vexame internacional. Isto porque conceituados veículos da imprensa estrangeira estão noticiando a postura desdenhosa do Chefe de Estado frente à pandemia. A resistência em admitir a gravidade da epidemia é uma retórica insistente para alguns setores do governo federal e observada a nível mundial.

O jornal norte-americano ‘The New York Times’ afirma que as medidas econômicas de austeridade põem em risco a luta contra o coronavírus, e a razão para isso é “em grande parte política”. O Jornal francês ‘Le Monde’ destacou que o “passeio” de Bolsonaro na manhã deste domingo (29) pelas ruas de Brasília é uma “contradição” ao que seu próprio governo prega para evitar a propagação da doença. Já o argentino ‘La Nación’ reforça que Bolsonaro aprofundou a radicalização do seu discurso a partir de aconselhamento diário desempenhado pelo “gabinete do ódio”.

De forma mais clara e objetiva, embora as tentativas de minimização do vírus sejam contínuas, ainda há – queremos acreditar que sim – um consenso na ideia de que o senso de irresponsabilidade desempenhando pelo presidente é algo inédito. Incentivar a população que têm possibilidade de permanecer em casa a voltarem às suas rotinas normais pode ter consequências trágicas. Mas, mais do que isso, é desrespeitar os profissionais de diversas categorias – como médicos, enfermeiros, policiais, bombeiros, funcionários de supermercados, entregadores, jornalistas e muitos outros – que se expõem ao risco por exercerem funções que não podem ser interrompidas. É preciso frear a velocidade das novas infecções, e para isso, a obediência ao isolamento social é vital.

A responsabilidade em tempo de pandemia é de todas e todos nós! Somente com esforços conjuntos poderemos enfrentar esse inimigo silencioso. Como disse o Papa Francisco, “a tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade social”, mas nesse grave cenário é preciso compreender que “ninguém se salva sozinho”. Que possamos tirar grandes aprendizados dessa realidade dolorosa e fortalecer o sentimento de empatia, respeito e colaboração com o coletivo.

*Anne Nunes – Jornalista – Especial para o Blog Heron Cid

Comentários