Duas concepções de Estado policial que viveram um enlace amoroso que se pretendia duradouro estão em choque: a da Lava Jato e a do presidente Jair Bolsonaro. O amor acabou. E há o risco de rompimento litigioso. Não é surpresa para quem vê a política além dos movimentos de superfície. Fazê-lo é uma obrigação do analista. O cronista pode se contentar com os folguedos do dia.
No Coaf, agora rebatizado de UIF, na Receita, na PF, no MPF e até na Justiça havia e há quem advogue a prerrogativa, ao arrepio de qualquer ordenamento legal, de escarafunchar a vida de qualquer um em nome do combate à corrupção.
Nesse caso, é claro que não se agride a lei sem um propósito. Como evidenciam diálogos revelados pelo The Intercept Brasil e pela Folha, o comando da Lava Jato apelava a um braço que tinha na Receita para, por exemplo, tentar encontrar ilícitos de ministros do Supremo.
Não era zelo de justiça. O que se pretendia era eliminar do tribunal dois ministros —Dias Toffoli e Gilmar Mendes— considerados adversários da força-tarefa. Ou de seus desmandos, para ser exato.
O que os diálogos demonstram à farta é que a Lava Jato selecionava alvos e até setores da economia exibindo a, deixem-me ver, soberana tranquilidade com que Deus criou o mundo. Ou decidiu destruí-lo quando lhe deu na veneta divinal, descontente com as lambanças da tigrada que havia dado à luz.
Não tardou para que os valentes da Lava Jato vissem no então candidato Bolsonaro “o homem certo no lugar certo”. Análise política é um trabalho que se faz em parceria com o interlocutor —neste caso, o leitor. Por isso, permito-me reproduzir trecho de uma coluna de 8 de junho do ano passado, intitulada “Bolsonaro é o nome da Lava Jato“. Prestem atenção.
“Gente que conhece o MPF por dentro e pelo avesso assegura que os Torquemadas torcem é por Bolsonaro. Li trocas de mensagens de grupos do WhatsApp que são do balacobaco. E assim é não porque os senhores procuradores comunguem de sua visão de mundo —a maioria o despreza—, mas porque veem nele a chance de fazer ruir o ‘mecanismo’, que estaria ‘podre’.
Os extremistas do MPF, do Judiciário e da PF, onde o candidato é especialmente popular, concluíram que o ‘Rústico da Garrucha & dos Bons Costumes’ lhes abre uma janela de oportunidades para impor a sua agenda. Querem ser, e isto é para valer, o ‘Poder Legislativo’ de um regime que fosse liderado pelo bronco. Não creio que logrem seu intento e, tudo o mais constante, estão cavando seu próprio fim como força interventora na política. Isso, em si, será bom. A questão é quem vai liderar o desmanche.” Acaba aqui a citação.
Eis aí. Quem me deu essa clareza antecipatória foi a parceria com vocês.