Na segunda-feira, Jair Bolsonaro excluiu todos os representantes da sociedade civil que integravam o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. A canetada atingiu profissionais que lidam diretamente com o problema da dependência química, como médicos, psicólogos e assistentes sociais. Ficaram apenas ministros e burocratas federais.
O presidente disse que o decreto acabará com o “viés ideológico” nos debates. Seria mais correto dizer que acabará com o contraditório. O governo já tinha maioria no conselho, mas era obrigado a ouvir opiniões divergentes. Agora não haverá mais contraponto à visão oficial.
“Estamos vivendo um retrocesso inacreditável”, critica o neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ele define a medida como um “expurgo”, instrumento de regimes autoritários para eliminar o dissenso. “Agora teremos um conselho homogêneo, que só vai dizer o que o governo quer ouvir”, resume.
O professor acusa o presidente de jogar a população contra a ciência e as universidades. Ele se diz indignado com o ataque ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento da Amazônia. “Esta retórica agressiva não cabe no cargo que ele ocupa. A gente já passou por muita coisa no Brasil, mas isso é inaceitável”, afirma.
Ribeiro é secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que realiza sua 71ª reunião anual em Campo Grande. O encontro reúne mais de 20 mil participantes e se estende até sábado. No encerramento, deve haver novos protestos contra Bolsonaro e os cortes de verba do setor.
“O Brasil está recuando ao mesmo nível de investimento em ciência de 15 anos atrás”, afirma o professor. Ele diz que a penúria tem acelerado a fuga de cérebros para o exterior. “Só no meu laboratório, tenho cinco alunos sem bolsas para estudar. Se não houver um socorro urgente, o CNPq vai parar em setembro. Podemos perder décadas de investimento em inovação”, alerta.
O Globo