A greve dos terraplanistas (por Leandro Narloch) – Heron Cid
Bastidores

A greve dos terraplanistas (por Leandro Narloch)

16 de junho de 2019 às 11h00
Protesto também atinge a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) – Foto: Portal MaisPB

Há uma arte e uma ciência no costume de inventar pretextos para faltar ao trabalho.

Detalhes, por exemplo, adicionam verossimilhança à desculpa. Em vez do batido “estou doente”, soa mais convincente dizer: “passei a noite escarrando coisas azuis e malcheirosas; o médico pediu a terceira radiografia para descartar a possibilidade de câncer no pulmão; se tudo der certo volto ao trabalho à tarde”.

Também funciona recorrer ao “tive problemas familiares” seguido de um longo silêncio. Por respeito (ou medo de ter de passar 40 minutos ouvindo o funcionário chorar suas pitangas), o chefe jamais perguntará que problemas familiares são esses.

Agora surgiu outra desculpa, uma desculpa simples e eficiente para faltar ao trabalho. Basta dizer: “estou terrivelmente preocupado com os rumos do país e com o ataque aos direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988, por isso decidi aderir à greve geral desta sexta-feira”.

Como várias pessoas estão dando essa desculpa ao mesmo tempo, e as notícias confirmam que haverá mesmo uma greve geral, não há como os chefes desconfiarem.

Greves servem para pressionar os patrões quanto a melhores condições de trabalho. Carregam uma ameaça: se vocês não aumentarem os salários, poderão ficar sem mão de obra. Mas a greve desta sexta-feira tem outros motivos.

No Twitter, Guilherme Boulos listou as milícias, o caixa 2, as mensagens entre Moro e Dallagnol e até mesmo “governo fascista”. Entre as catorze razões, não há nada sobre salários ou condições de trabalho.

Em outras palavras, os grevistas querem derrubar o governo Bolsonaro. Justo: eu por mim derrubaria todos os presidentes após alguns meses de governo. O ministro da Educação não é exatamente uma autoridade inspiradora – e o governo Bolsonaro ainda não mostrou o que pretende com a educação pública.

Mas, se o objetivo é derrubar o governo, não faria mais sentido organizar uma onda de protestos no domingo? Anteontem manifestantes conseguiram derrubar uma presidente – e fizeram isso sem greve, sem paralisação de escolas e ônibus, só com o bom e velho protesto na praça. Por que não se inspirar neles?

Manuela D’Ávila disse que a greve geral é “contra a reforma da Previdência e em defesa da educação pública, contra os cortes do Bolsonaro”. Peraí: não dá pra ser contra a reforma e ao mesmo tempo a favor de mais gastos em educação. O rombo da Previdência já consome metade das despesas do governo e sete vezes o orçamento da Educação. Achar que é possível aumentar os gastos dos dois é puro terraplanismo.

Faz ainda menos sentido cancelar um dia letivo e fechar escolas para protestar em defesa da educação. É como passar o dia comendo paçoquinha com o objetivo de emagrecer.

E olha que os professores serão justamente os mais privilegiados pela reforma da Previdência. Poderão se aposentar cinco anos antes de profissionais de atividades igualmente extenuantes, como faxineiras, caminhoneiros e atendentes do check-in da Avianca.

A esquerda inventou uma greve que não é exatamente greve, mas um feriado camuflado de protesto. Seus seguidores se manifestam contra o governo, contra as reformas – e contra o hábito nefasto de trabalhar às sextas-feiras.

Crusoé

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