O único pacto do STF (por Mário Sabino) – Heron Cid
Bastidores

O único pacto do STF (por Mário Sabino)

2 de junho de 2019 às 08h56
O ministro Dias Toffoli, presidente do STF: (Cristiano Mariz/VEJA)

A palavra “pacto” voltou ao noticiário nacional depois da reunião entre Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli. Anunciou-se que eles firmariam um pacto em favor das reformas, em especial a da Previdência, depois das turras entre o presidente da República e o presidente da Câmara.

Pacto pode ser uma coisa boa, desde que feito em prol do interesse nacional. Na Espanha, a fim de que a transição da ditadura franquista para a democracia fosse feita sem maiores solavancos, foi assinado o Pacto de Moncloa, em 1977, entre partidos, sindicatos e empresários, sob os auspícios do rei Juan Carlos. Funcionou. Na Alemanha, em 2003, quando o país era “o homem doente da Europa”, em função do altíssimo custo da unificação com o lado oriental, foi assinado o pacto Agenda 2010, para flexibilizar as leis trabalhistas. Ele permitiu que a Alemanha se tornasse outra vez uma economia dinâmica, embora hoje os trabalhadores reclamem dos direitos perdidos e salários achatados. Provavelmente terá de haver uma repactuação na Alemanha.

Volta e meia o Pacto de Moncloa é lembrado direta ou indiretamente por políticos brasileiros. Foi assim em 1984, quando o país caminhava para a redemocratização. Tancredo Neves citou expressamente o caso espanhol como exemplo a ser seguido. Com a morte de Tancredo, a ideia foi enterrada junto. Foi assim em 2013, quando ocorreram as manifestações que incendiaram o país. Dilma Rousseff teve a ideia de fazer um pacto nacional com governadores. Como todas as ideias de Dilma, não funcionou. Até porque, naquele momento, o problema já não era de pacto, mas de polícia.

O pacto que voltou ao noticiário nasceu na cachola de Dias Toffoli. No mesmo dia em que foi divulgado, escrevi o seguinte em O Antagonista:

É auspicioso que Executivo, Legislativo e Judiciário convivam em harmonia — aquela harmonia relativa que faz parte do jogo democrático — e que tal convivência tenha sido reafirmada hoje, na reunião entre Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli.

Mas o Brasil é o país do passo a mais. Essa história de “pacto” pela retomada do crescimento é algo que pode ser firmado entre Executivo e Legislativo — nunca pelo Judiciário. E muito menos o texto base deveria ser sugestão do presidente do Supremo Tribunal Federal.

O motivo é simples: o Judiciário não é — ou não poderia ser — instância política. E, salvo engano, a “retomada do crescimento”  em questão é um objetivo a ser alcançado por meio de negociações políticas, como a da reforma da Previdência.

Mais: Dias Toffoli não tem mandato do STF para assinar “pactos”. Ele teve autorização do plenário do Supremo? O que ele pode prometer no “pacto”? Cumprir a lei? Descumpri-la?

E ainda: a quem cidadãos, empresas, entidades e governos irão recorrer, se acharem que o “pacto” assinado pelo presidente do STF fere-lhes o direito?

Por último, mas não menos importante: o Judiciário é formado por milhares de órgãos independentes (juízes). O presidente do STF não pode se comprometer a cumprir qualquer pacto que seja, porque tem de observar o princípio da independência judicial.

Trata-se de um despropósito de qualquer ponto de vista.

Em seguida, ministros do STF disseram o mesmo a jornalistas e editoriais enveredaram por linha semelhante. Não cabe ao Judiciário participar de pactos politicos. Juízes, não importa a instância, estão lá para julgar segundo as leis estabelecidas pelo Legislativo em consonância ou não com o Executivo — e, no caso do Supremo Tribunal Federal, essa lei é a Constituição, da qual o tribunal deveria ser o maior guardião.

Se o Judiciário participar de pactos políticos, a sua natureza será completamente corrompida. Passaremos, então, do ativismo judicial que já vivemos, com ministros do Supremo arrogando-se o direito de legislar, veja-se a criminalização da homofobia, para o mais incontrolável ativismo partidário na esfera judicial – que, por sinal, sobrevive na Justiça do Trabalho, com magistrados que insistem em burlar o que foi determinado pela reforma trabalhista no que se refere à contribuição sindical. A reforma proibiu a contribuição compulsória, mas togados ideológicos dão um jeito de permiti-la, com base em decisões que legitimam assembleias dominadas por pelegos que “aprovam”  a garfada ao arrepio da lei. Há poucos dias, Cármen Lúcia deu um chega para lá nesse pessoal, suspendendo uma decisão que autorizava o desconto da contribuição em folha dos funcionários de uma metalúrgica.

Se ministros do Supremo quiserem participar de pactos políticos ou algo que o valha, eles têm de abandonar a toga e, quem sabe, tentar eleger-se para um cargo no Legislativo ou até no Executivo. Eles têm esse direito desde que renunciem ao STF. Aliás, não só ministros do Supremo como qualquer juiz pode seguir carreira política, desde que deixe a magistratura. Enquanto vestirem toga, o que se espera de todos eles é que pairem acima de quaisquer interesses partidários. O que se espera e o que se exige. Reinhold Niebuhr, um dos maiores teólogos do protestantismo americano, disse em 1944 que “A capacidade do homem para a justiça fez a democracia possível, mas a inclinação do homem para a injustiça fez a democracia necessária”. Juízes existem para tentar deter a inclinação do homem para a injustiça. Essa é única contribuição a ser feita por eles em relação às necessidades da democracia que os brasileiros possibilitaram num certo pacto firmado em 1988.

Crusoé

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