Em maio de 2016, Marcelo Crivella apoiou a abertura de um processo de impeachment. O alvo era Dilma Rousseff, que o nomeara ministro da Pesca. O bispo subiu à tribuna do Senado com ar compungido. Parecia um pecador em busca de remissão.
“Que fique consignado o meu pesar”, disse, ao anunciar o voto contra a presidente. “Eu não queria e não quero. Eu não desejava e não desejo. Cumpro aqui um duro dever diante dos fatos, e que me impõe o povo brasileiro”, prosseguiu.
Crivella chegou perto de pedir desculpas por abandonar a ex-chefe. “Não resta sombra de dúvida de que a presidenta é honesta e tem relevantes serviços prestados à nação”, discursou.
Para justificar a decisão, ele disse que o país passava por uma “grave crise econômica, política e social”. Terminou sem citar as pedaladas fiscais, usadas como pretexto legal para derrubar o governo.
Três anos depois, Crivella vive o dia da caça. A exemplo de Dilma, o prefeito é alvo de um processo de impeachment com alegações duvidosas. No papel, será investigado por renovar um contrato de publicidade em relógios e pontos de ônibus. Na prática, responderá pelo chamado conjunto da obra.
Quem circula pela cidade nota que ela está suja e malcuidada. Nos últimos anos, Crivella cortou as verbas de pavimentação, drenagem e contenção de encostas. O resultado são ruas esburacadas e um cenário apocalíptico a cada chuva forte. Escolas e hospitais municipais também sofrem com a falta de dinheiro.
Sem obras para inaugurar, o bispo se lançou numa cruzada contra o carnaval. Há duas semanas, ele disse que o Rio é uma “esculhambação completa”. Parecia definir a própria gestão, mas incompetência ainda não é motivo para cassar mandatos.
O processo de impeachment será julgado pela Câmara Municipal, que também está longe de ser exemplo de eficiência ou probidade. Ontem Crivella disse que os vereadores resolveram processá-lo “por razões políticas”. É verdade, e ele agora terá que fazer política se quiser permanecer no cargo.
No discurso de 2016, o bispo citou o padre Antônio Vieira ao descrever seu drama de consciência. “O justo com mais vontade absolve do que condena; o justiceiro com mais vontade condena do que absolve”, disse. Os vereadores terão 90 dias para anunciar a sua sentença.