Medo não ganha eleição, conversa sim. Por Cora Rónai – Heron Cid
Bastidores

Medo não ganha eleição, conversa sim. Por Cora Rónai

25 de outubro de 2018 às 10h31

Estou fora do Brasil há cinco dias. Neste momento, aliás, estou até meio fora da Terra, voando rumo a Seul num dos primeiros aviões intercontinentais sem wifi que vejo em muito tempo. Somos a nau dos desconectados, uns 250 passageiros perdidos no espaço, sem saber o que acontece lá embaixo nas suas respectivas terras, e assim permaneceremos ao longo das próximas 13 abençoadas horas. Ver o Brasil daqui de cima (na verdade, não ver) é uma felicidade; ainda que, literalmente, passageira.

A Korean Air sabe o que faz. Não sinto saudades da conexão. O grau de histeria e de desinformação das redes sociais ultrapassou qualquer limite do razoável. Parece que o mundo vai acabar no próximo domingo, que o ar será sugado dos nossos pulmões e uma cratera gigantesca se abrirá sob os nossos pés — e não apenas metaforicamente.

O terrorismo psicológico chegou ao auge, mas desta vez vem sobretudo do lado que, há alguns anos, crucificou Regina Duarte, justamente porque ela confessou que tinha medo. Agora, que medo virou tendência, Regina Duarte está sendo crucificada de novo, desta vez por não ter medo. Naquela época, os marqueteiros foram rápidos na frase de efeito: “A esperança venceu o medo”. E agora, Duda Mendonça? E agora, João Santana?

Medo, como o país já devia ter descoberto naqueles anos, não ganha a eleição. Conversa ganha, compreensão ganha, respeito ganha. Nada disso está acontecendo.

Não discordo, na essência, de quem tem medo; eu também tenho. Apenas acho que este medo todo devia ter se manifestado antes do primeiro turno, traduzido em ação.

Era óbvio que praticamente qualquer candidato ganharia de Bolsonaro no segundo turno — exceto Haddad. Em qualquer conversa na rua, no ônibus, no supermercado, em qualquer lugar fora da bolha, era possível sentir o pulso do eleitorado: as pessoas se mostravam dispostas a aceitar qualquer coisa, menos o antigo regime.

Estas eleições não são sobre o Haddad, ou sequer sobre Bolsonaro. Como tanta gente já cansou de observar, e de alertar também, estas eleições são sobre o PT.

Mas aí a esquerda em peso, num gesto suicida, escolhe Haddad/Lula e crava PT. Sinceramente, o que esperavam que fosse acontecer? Qual era o cenário que tinham em mente? Achavam que os eleitores de Bolsonaro pensariam melhor e voltariam atrás?

Sou furiosamente cobrada sempre que escrevo sobre isso: “Não é hora de falar mal da esquerda!” Acontece que falo mal da esquerda desde 1917 e, invariavelmente, há quem tente me calar com esse argumento.

Desculpaí, mas é hora, sim, e por sinal muito merecida.

No começo destas eleições, ainda teria sido possível uma frente ampla em torno de um nome desvinculado do PT, um nome com menores índices de rejeição, uma eventual candidatura que não dividisse ainda mais o país já tão dividido; mas não, né? Eleição sem Lula é golpe, Lula livre, Lula Haddad Lula Lula Haddad Lula Lula Lula.

Taí o resultado.

De todas as péssimas escolhas jamais feitas por este país, que já teve Jânio e Jango, Dilma, Collor e Sarney, nenhuma jamais foi tão perigosa, retrógrada e inconsequente quanto a que promete se concretizar nas urnas no domingo.

O pior é que nem ao menos se poderá dizer que terá sido um resultado imprevisível.

O Globo

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