O PSDB está fora do jogo, virtualmente morto, como partido capaz de constituir um eixo hegemônico para uma coisa ou o seu contrário, de um lado ou de outro. Vale dizer: não terá o poder e não vai liderar a oposição, qualquer que seja o vitorioso.
A menos que eventos sensacionais, que hoje estão fora de qualquer prognóstico, possam reanimá-lo. O que quer que reste da legenda — refiro-me a bens móveis e imóveis — servirá a um outro senhor ainda sem cara definida. O partido disputa, é verdade, o segundo turno em seis Estados: SP, MG, MS, RO, RS e RR. Dados os resultados do primeiro, a situação só pode se dizer tranquila no Mato Grosso do Sul.
A bancada na Câmara vai emagrecer dos atuais 49 para 30 deputados — de quarta passará a oitava. No Senado, continuará em segundo lugar, mas com oito representantes, não mais com 12. Vitórias que pareciam certas, como Minas e São Paulo — posições de poder em razão do tamanho da economia desses Estados —, já não merecem essa designação. O partido está, de resto, perdido, como se viu na reunião da Executiva nesta terça.
O PSDB se reuniu nesta para definir que rumo tomaria na eleição presidencial. Decidiu pelo duplo “não” — “nem um nem outro”, na fala de Gerado Alckmin, presidente da sigla e candidato derrotado do partido à Presidência. Mas os filiados podem tomar decisões por sua conta.
João Dória, que disputa o segundo turno em São Paulo com Márcio França (PSB), já havia escolhido Jair Bolsonaro (PSL). Outros também haviam se antecipado. Não há notícia de tucanos migrando para Fernando Haddad (PT). Como informam todos os sites noticiosos, Doria e Alckmin trocaram farpas. O candidato ao governo cobrava mais recursos aos que vão disputar o segundo turno. Na altercação, Alckmin o chamou de “traidor”.
Um aliado de Dória, no Diretório Municipal em São Paulo, já havia decidido expulsar Alberto Goldman, ex-presidente do partido, e Saulo de Castro, secretário de governo do Estado e homem de confiança de Alckmin — além de outras 14 pessoas. A Executiva Nacional classificou a decisão de inócua. Orlando Morando, prefeito de São Bernardo e aliado de Dória, defendeu já no domingo que Alckmin entregasse o comando da legenda.
Há um consenso: se Doria vencer a disputa pelo governo do Estado, terá o controle do partido. E o PSDB social-democrata terá chegado ao fim. Se perder, o futuro é ainda mais incerto. Mas como se chegou a isso?
Há muito tempo já, antevi aqui e em toda parte que o PSDB caminhava para ser a principal vítima da Lava jato. E sempre considerei, o que depois se comprovou, que o próprio partido não havia se dado conta disso.
Observem que a operação começou como uma investigação centrada em desvios na Petrobras e se transformou, muito depressa, numa razia contra toda a classe política. Os até então protagonistas da cena das últimas décadas, PT e PSDB, acabaram sofrendo os maiores danos.
Dilma foi destituída, e Lula está preso. Mas o PT sobreviveu. Está no segundo turno das eleições, fez a maior bancada da Câmara, congrega um eleitorado gigantesco no Nordeste e está presente no Brasil inteiro por meio de suas franjas no mundo sindical. Mas e os tucanos? Pois é…
A Lava Jato vinha minando aos poucos todo o sistema político, objetivo praticamente confesso em entrevistas concedidas aqui e ali por algumas de suas estrelas. Havia uma certa sede de começar o país do zero, como se isso existisse, como se isso fosse possível.
A operação Joesley, arquitetada por Rodrigo Janot e Edson Fachin, sob o patrocínio moral de Cármen Lúcia, fez o edifício todo desmoronar sem haver outro onde alojar as aflições dos brasileiros. Os principais alvos foram atingidos e, com eles, o que ainda restava em pé: Aécio Neves perdeu o comando do PSDB, e Michel Temer teve de enfrentar duas tentativas de deposição.
O sistema veio abaixo. Aí alguém poderia perguntar: “Qual sistema? O da corrupção?” Não! O sistema de representação. É isso que explica um Jair Bolsonaro ser não apenas o contraponto ao PT e às esquerdas. Ele entrou na disputa como contraponto também à chamada “política tradicional”, representada, então, por todos os partidos.
As bombas contra a política detonadas por Sérgio Moro e pelo Ministério Público Federal convenceram amplos setores no Brasil, em especial aqueles com mais acesso à informação, de que a política, também o bom exercício da política, é coisa de gente suja.
Vamos fazer de conta, para efeitos de pensamento, que MPF e a Justiça não tenham cometido nenhuma irregularidade nas ações contra os partidos e os políticos — e incluo aqui todo mundo mesmo, para me dispensar de citações e distinções exaustivas. Pergunta-se: não era possível investigar e punir cumprindo-se as leis?
Acredito que sim! Não era possível caçar os larápios reforçando, então, os instrumentos que fortalecem a democracia? Pois é… Em vez disso, eles todos foram fragilizados. Isso explica que as chamadas legendas tradicionais tenham tido um desempenho pífio das urnas. Havia pouco que as lideranças dessas legendas pudessem fazer até por suas próprias biografias, tivessem ou não contas a prestar.
Um homem decente como Geraldo Alckmin foi triturado porque fez alianças para governar. Sim, havia e há investigados nos chamados partidos do “centrão”. Mas há os não-investigados. Henrique Meirelles (MDB) teve menos votos do que Cabo Daciolo.
E por que o PT resistiu, ainda que avariado? Observem que não vou entrar no mérito da justeza ou não das punições aplicadas; notem que não vou fazer juízo de valor sobre a responsabilidade do partido nessa crise — até porque já escrevi centenas de textos a respeito. Você pode discordar de todos os pressupostos ideológicos do PT, como discordo; pode ser, como sou, um liberal em economia, como o PT não é.
Mas o fato é que, ainda que com o propósito de apenas defender Lula, a legenda armou uma espécie de resistência política. E estou falando da política, já que, no Judiciário, o partido perdeu todos os embates.
O PSDB e as demais legendas não se deram conta de que a ação de suposta moralização da política tinha — e tem — um projeto de poder. O sistema político como um todo não soube, e não sabe ainda, fazer a defesa dos direitos individuais em face da exacerbação dos poderes de investigação e de polícia de órgãos do Estado, que passaram a falar uma linguagem abertamente política. Hoje, disputam o poder.
O PSDB e as outras legendas não souberam sair da armadilha. O bolsonarismo cresceu nos escombros que a razia lava-jatista ia provocando na política. Sendo quem era, o PSDB tinha a obrigação de ter percebido o jogo. Mas faltou inteligência estratégica. Agora, parece que o tucanismo voou para o brejo.
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