Entre os despropósitos dos tempos que vivemos, um dos piores é o que as elitesfazem com a opinião das pessoas comuns: a usurpam. Elas e seus representantes sabem o que quer a maioria da sociedade, mas o ignoram, substituindo-o pelo que desejariam que fosse. Subtraem do povo o direito de ter opiniões e ainda inventam algo para pôr no lugar.
Nas ditaduras clássicas, o processo é mais transparente. Os donos do poder dispensam-se de recorrer à ideia de opinião majoritária. Fazem algo simplesmente porque querem, porque cismam em fazê-lo.
No Brasil atual, a história é diferente. A turma de Temer, seus correligionários no Congresso, os jornalistas da mídia monopolista, a banda partidarizada do Judiciário, os ricaços em geral, todos gostam de fingir que “atendem aos anseios da população”. Que fazem o que fazem em “resposta aos desejos da opinião pública”.
A falsificação e a usurpação da vontade da maioria acontecem tanto no front administrativo quanto no político. Desde quando a coalização conservadora retomou o controle do Estado com a deposição de Dilma Rousseff a agenda do governo foi apresentada como se correspondesse àquilo que as pessoas queriam. Em nenhum momento os agentes do golpe reconheceram que a sociedade podia ter motivos sólidos e racionais para reprovar as iniciativas que impuseram.
Mas é nos enfrentamentos políticos que o sequestro das opiniões mais acontece. Por ignorância dos sentimentos e preferências da população ou por deliberada falsificação, a elite e seus agentes metem a mão na opinião pública.
Engraçado é que quem mais gosta de se atribuir o papel de intérprete e porta-voz da sociedade são os que menos convivem com ela, menos a conhecem, e nenhum voto têm ou tiveram. Os políticos governistas ainda revelam algum pudor, pois sabem que não falam em nome da maioria. No máximo, pretendem ter uma força que não possuem, o que não é nada incomum no meio em que vivem.
Quem mais abusa da pretensão de representar a maioria são os que nunca foram à rua disputar a genuína representação democrática. São os que não têm coragem de expor suas ideias e obter de um conjunto significativo de pessoas um mandato para falar em nome delas. São os que mais se acham capazes de se manifestar em nome dos outros.
O Judiciário, que até há algum tempo era um lugar onde pavoneamentos desse gênero eram inadmissíveis, passou a ser palco de desfiles diários dessa usurpação. Desde juízes locais, como Sergio Moro e seus imitadores, aos de Segunda Instância, a toda hora aparece um se oferecendo como oráculo dos anseios populares.
Nos Tribunais Superiores, então, nem se fale. Contam-se nos dedos os que preservam sua autoridade efetiva, recusando-se a fazer os muitos jogos de ilusão a que são convidados para receber o aplauso das elites. No Supremo Tribunal Federal, são muitos os que acham bonito exibir-se como “expressão de todos”.
Nos últimos dias, tivemos um exemplo patético dessa usurpação. Em nome de uma inexistente “pressão de opinião pública”, a presidente do STF recusou-se a pautar a revisão da decisão do Tribunal que permitiu o absurdo do cumprimento da pena por pessoas inocentes, pois ainda não condenadas definitivamente. Porque Lula poderia beneficiar-se, ela não quis que essa distorção constitucional fosse corrigida. Alegou que faria o que a opinião pública deseja.
Todas as pesquisas mostram, no entanto, que a suposição da ministra é falsa. Que chega perto de 80% a proporção de pessoas que é favorável a que esse mostrengo autoritário seja removido de nossa legislação.
Não são pesquisas secretas, assim como não o são as que mostram que a caçada contra Lula movida por juízes e promotores partidarizados é reprovada pela maioria das pessoas. Os que se arvoram a representar o povo sabem que não o fazem.
Mas fingem que sim. Na cobertura diária da mídia de direita, nas manifestações de líderes políticos e empresariais conservadores, nas declarações e julgamentos dessa Justiça diminuída que alguns praticam, encenam uma pantomima: ao mesmo tempo que atribuem às pessoas opiniões que não possuem, pretendem falar em nome delas.
De pouco adianta. Na hora de votar, elas votam em quem querem.
Carta Capital