
As margens das duas pistas da BR-230 formigavam de gente. Os carros, caminhões e carretas andavam quase parando para não atropelar ninguém. Eram assim os arredores da Sorvelanche – nosso principal point de encontro – em noites agitadas de domingo na minha República de Marizópolis.
Visitantes de toda a região batiam o ponto por lá. Quem não comprava ingresso para dançar a tertúlia ficava pelos bares de Dedé e Osman, no entorno. Um copo de cerveja, uma dose de run com coca-cola. O tira-gosto era prestar atenção nas moças de olhares esperançosos por um convite para entrar na boate e curtir a parada de sucessos do momento.
Quem entrava solteiro raramente voltava sem companhia para esticar o resto da noite ou até o tempo da mãe da menina aparecer pela rua e botar a filha para casa na hora de “moça de família dormir”. Muitos casamentos nasceram por lá e fruto da paixão embalada por uma música lenta e ou um forrozinho mais sem-vergonha.
Mas se dava muito mal quem se metia a besta, tomava umas mais ou inventava de bagunçar. Postada na bilheteira com autoridade de cabo de polícia, Maria de Joaquim de Moça – a dona – botava logo moral. Dava dois gritos para iniciar e dois tabefes para completar e, pronto, o valentão pegava o beco. Não antes de pagar a conta.
Rapazinho tímido naqueles anos, preferia cubar de longe e me dava por satisfeito com algumas histórias contadas no outro dia. Outras eu via com meus próprios olhos. Chegado de propósito mais cedo no número 18 da Rua Ana Rocha, não resistia à tentação de espiar pela janela os casais que saíam de fininho da festa direto para os cantos de parede e pontas das calçadas do beco da igreja.
Com televisão e revistas restritas e o estoque de hormônios em alta, era o melhor e mais excitante programa daquela época. Bisbilhotava tanto, tanto, que chegava a ter vertigem. Ao ponto de não saber distinguir realidade de imaginação e perder da lente de alcance por onde já íam mãos bobas e bocas espertas. O que começava na Sorvelanche às vezes só acabava nove meses depois…