
Olhando no retrovisor fica até difícil imaginar como a gente conseguia jogar, e bem, em terreno tão desfavorável. No centro do campo de terra batida havia um lajedo e pedras de seixo por toda a parte. Era comum sair com a cabeça do dedo arrancada ou o joelho esfolado.
Mesmo assim, o ‘Clementão’ era o paraíso dos futebolistas daquele tempo da minha República de Marizópolis. Eu – raquítico e metido a jogador – estava neste elenco dos que se arriscavam a treinar durante a semana e, sobrevivendo, jogavam para valer no fim dela.
E quanto tinha jogo oficial, com direito a time de fora, as bordas do nosso pretenso estádio se enchiam de torcedores improvisados – gente que saía de casa no domingo para se distrair na campo da Vila Nova.
Bom para os vendedores de picolé. Cada um estacionava seu carro e logo despachava todo o estoque da sorveteria São Francisco, de Francimar da Cagepa. A turma do dindim também se dava bem.
Quando o árbitro autorizava, o peneiro cobria, ninguém queria perder e seja lá o que Deus quiser. Se algum atacante exagerava no chute, a bola sumia no meio do mato. Por sorte, algum menino se embrenhava nos marmeleiros e a resgatava.
Nem esta dificuldade toda impediu que talentos passassem da média e se revelassem com destaque. Adolescentes, como Leleca, Nilson, Edcarlos, ou homens já feitos, tipo Dedezinho, Aíran, Marrequinha.
E eu? O fechamento do Clementão para ceder lugar a um conjunto popular abreviou a carreira do volante do time de Nego Dim. Encantado com a descoberta do rádio, da palavra e da comunicação, pendurei precocemente as chuteiras.
Décadas depois, cada vez que volto ao local hoje tomado por casas e famílias, inevitavelmente vejo de novo a rede balançar o coração e a poeira cobrir e arder meus olhos. De saudades…