Pouco importa quantos pratos sofisticados prove pela vida afora, o prazer do arroz de leite com carne assada, tomate e coentro, feito por dona Marizete, ou carne guisada com batatinha de Dona Nuita, sempre resistirá entre os meus melhores sabores.
Ainda que experimente os odores mais requintados, o cheiro da terra molhada das benfazejas chuvas de dezembro na minha República de Marizópolis continuará sendo insubstituível ao ponto de me transportar no calendário, cada vez que se repete.
Se é assim comigo, provavelmente é com você. A nossa personalidade e gostos têm ligação direta com as primeiras memórias de infância. As que nos acompanham permanentemente.
Por mais cascudos que a vida nos torne, por mais doloridas que sejam as experiências, há uma criança teimando e saltitando dentro de nós. No coração, gostos, preferências e escolhas.
E nem adianta tentar represá-la ou fingir que ela está adormecida pela cantiga de ninar dos anos. Uma hora ou outra ela nos surpreende e aparece quando menos esperamos.
Numa música que toca e nos arrebata de volta décadas atrás no túnel dos janeiros, numa história quase esquecida contada por aquele velho amigo de infância ou numa foto amarelada dos tempos de escola.
Ou simplesmente quando olhamos para um filho e, para algum espanto, nos vemos de novo com aquela mesma idade. Para tirar a prova dos nove comparamos as feições dos álbuns do presente e do passado. Rimos e, não raro, choramos.
E sabe de uma coisa? O melhor de tudo é compreender que este adulto nunca chegaria até aqui sem antes ter existido aquela criança. E que, admitindo ou não, os dois haverão de andar de mãos dadas até o fim da vida.