A impunidade fardada e o risco de novos golpes (Por Anísio Maia) – Heron Cid
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A impunidade fardada e o risco de novos golpes (Por Anísio Maia)

5 de setembro de 2025 às 10h31 Por Heron Cid
Painel com fotos de mortos e desaparecidos na Ditadura Militar do Brasil

Certa vez entrevistei o então deputado estadual Anísio Maia (PT). Foi nos estúdios da MaisTV, canal de vídeo do Portal MaisPB. Na conversa, revisitei o período nebuloso da ditadura militar, época na qual Anísio e outros jovens foram perseguidos e tiveram que se esconder na clandestinidade para evitar a prisão pelo “crime” de discordar e combater o arbítrio ilegal.

Na entrevista, Anísio relatou um episódio que, particularmente, me marcou muito. Foragido de João Pessoa, só conseguia contato com a mãe via emissário igualmente clandestino. Dela, recebia um bilhete e uma lata de leite em pó – o símbolo do cuidado e carinho materno interrompido e cortado abruptamente pela perversa luta política de então.

Anísio e tantos viram de perto essa triste quadra da história nacional: um golpe militar que se vendeu como um antídoto anticomunista e que durou duas penosas e tenebrosas décadas, marcadas por violação de direitos humanos e políticos, censura, torturas e execuções sumárias nos porões de quartéis.

Agora, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal dos conspiradores da tentativa de novo golpe – felizmente fracassada – esse retrovisor da história reflete a imperiosa necessidade de exorcizarmos de uma vez por todas esse fantasma da impunidade. Um erro do passado que pariu novos filhotes golpistas no presente. É preciso enfrentá-los na forma da Lei. E sem medo.

Abaixo reproduzo artigo da autoria de Anísio Maia. Vale a pena ser lido com a devida atenção ao contexto histórico e a experiência pessoal do seu autor. Ele sabe do que está falando. Leia abaixo:

A impunidade fardada e o risco de novos golpes (Por Anísio Maia*)

A história do Brasil é marcada por uma contradição persistente: as Forças Armadas, que deveriam ser defensoras da soberania nacional, tantas vezes se desviaram de sua missão para atuar como agentes golpistas. De 1889 a 1964 — passando por
revoltas, quarteladas, deposições e ditaduras — somam-se ao menos oito episódios históricos em que setores militares se levantaram contra o Estado e a legislação vigente, impondo rupturas institucionais e enfraquecendo a democracia.

O mais alarmante, contudo, é que jamais um militar foi punido por conspirar contra a democracia. Enquanto lideranças populares, sindicais e políticas foram perseguidas, presas e torturadas, os responsáveis por insubordinações armadas
não apenas escaparam ilesos, como em muitos casos foram recompensados com promoções e homenagens. Essa lógica da impunidade alimentou a perigosa ideia de que os quartéis possuem licença para intervir sempre que discordarem da ordem constitucional.

É preciso dizer com todas as letras: anistiar os crimes de quem atentou contra a ordem institucional é, diretamente, praticar um novo golpe. A anistia absolve as transgressões do passado, assim como pavimenta o caminho para futuras tentativas de ruptura, sinalizando que a violência contra a democracia pode ser cometida sem consequências.

A Constituição de 1988 foi clara ao redefinir o papel das Forças Armadas: garantir a defesa da Pátria sob autoridade civil e dentro da legalidade. Nada além disso. Tolerar desvios é corroer os alicerces democráticos. O Brasil só será uma democracia consolidada quando militares que atentarem contra ela forem punidos.

*Anísio Maia, vítima da Ditadura Militar no Brasil, ex-deputado estadual e integrante da fundação do PT na Paraíba.

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