Quando os filhos dão a mão aos pais – Heron Cid
Crônicas

Quando os filhos dão a mão aos pais

25 de maio de 2025 às 09h37 Por Heron Cid

“Pai, pule comigo. Você consegue. Eu acredito em você”! Um homem feito de 41 anos ouviu. A voz era de um menininho de nove anos. Naquele domingo, no meio da chuva e na beira da piscina, a frase ressoou na memória e atravessou 11 anos na linha do tempo.

A reação paralisante de saltar pouco mais de um metro de profundidade não fazia sentido. E nem faz, mas vá convencer o cérebro diante do medo. Nessas horas, é a defesa irracional ao desconhecido, mesmo na frente de água transparente, rasa e total segurança de que aquele pulo no máximo provocará água no nariz.

É comum e natural que pais encorajem e acalentem os filhos a enfrentar e vencer seus medos. Do primeiro choro no parto à lágrima da despedida final. Mas é extraordinário quando o contrário resolve surpreender.

Por isso, a sensação de impotência. Na frente, o medo. Do lado, o incentivo de uma criança, que saltava uma, duas, três, inúmeras vezes para provar ao seu pai que era possível. Que ele também podia.

Naquela hora, o homem era o menino, inseguro, envergonhado, sem saber como reagir, o que dizer, como justificar, paralisado diante da vulnerabilidade.

Benjamim assumia e tomava para si meu papel, com aquela mesma meiguice paterna que costumamos invocar cada vez que tentamos – insistentemente – convencer os filhos a superar um obstáculo.

Tentei uma, duas, três e inúmeras vezes. Os passos à frente travavam – inexplicável e exatamente – na hora do salto. Ele não repreendia, sem jeito dava o seu jeito de fingir não perceber a fragilidade do pai. E repetia o incentivo. Incansavelmente.

Envergonhado, eu olhava ao redor e para as varandas dos apartamentos do edifício. Será que outras pessoas estavam testemunhando aquela situação? Provocaria risos ou piedade? Ali estava um animal acoado, querendo fugir de si mesmo.

Depois de sussurrar tantas vezes baixinho, para ninguém mais ouvir, um “eu não consigo”, veio em resposta a frase, meiga, doce, celestial: “Pai, eu acredito em você. Você consegue”!

“Você segura minha mão”? “Seguro, pai. Eu vou com você”! E saltamos juntos. Uma, duas, três e inúmeras vezes. E depois, como aquele que acabou de vencer o invencível, continuei sozinho me jogando na piscina e voltando para saltar de novo.

Como se agora eu estivesse gritando, validando para mim mesmo e, principalmente, para aquele pequena testemunha da fragilidade humana: “Eu consegui”! Com sorriso no rosto, ele respondia aliviadamente feliz: “Você conseguiu, pai”!

Naquela hora, a memória resgatou idêntica cena vivida com Herla, agora com 21 anos. Onze anos antes, com a mesma idade de hoje do irmão Benjamim, ela fez tudo igual: pegou na minha mão, incentivou até gerar coragem em mim e saltou comigo.

Depois de tanto tempo, esses e outros medos, pelo visto, continuam lá teimando num cantinho do meu inconsciente. Sorte minha e de quem tem alguém por perto para lembrar que é possível vencê-los. Ou a felicidade de saber que os pais também precisam das mãos dos filhos. Uma, duas, três, inúmeras vezes….

Comentários