Uma coisa sua que ficou em mim – Heron Cid
Crônicas

Uma coisa sua que ficou em mim

11 de maio de 2025 às 15h42 Por Heron Cid

“O passado me traz uma lembrança do tempo que eu era criança”. Esse “Poema” foi deixado por Cazuza e seus versos ficaram perdidos num desses baús. Achados, viraram música nos acordes de Frejat e ganharam vida na voz de Ney Matogrosso.

O poeta tinha razão. As lembranças de infância costumam teimosamente se manter vivas. Em gestos, palavras e às vezes de formas surpreendentes e involuntárias.

De quando em vez, me pego reproduzindo coisas de minha mãe, dona Marizete. Coisas, inclusive, que o filho reclamava. Como dedicar tanto tempo, energia e empenho com problemas de “pessoas de fora”, desconhecidas dos olhos.

Vi aquela jovem mãe solteira renunciado seu conforto e investindo parte da sua vida a estancar dores de outras vidas. Vi sua mão estendida para gente esquecida, vi suas lágrimas chorando a dor que não era sua ou gritando a voz contra a injustiças que não lhe atingiam diretamente. Pagando preço por isso. Pessoal, familiar.

E não entendia a razão e o porquê.

Hoje, quando sinto muito pela dor alheia, e me pego alquebrado pelo sentimento de impotência, ou quando viajo léguas tiranas para tentar fazer algo, ainda que quase não reste nada a fazer, quando me sinto cansado ou incompreendido por lutas que aparentemente não são minhas, e quando, meio perdido, quase com raiva de mim, me pergunto por que?

Tal qual o poeta, volto ao passado, lembro daquela mulher e penso quantas vezes ela também não fez as mesmas perguntas para si, no silêncio e no soluço. Olhando para os filhos que deixava no começo do dia e só conseguia beija-los no fim da noite.

Tudo o que aquela criança viu e, mesmo sem querer e nem entender direito, esse adulto aprendeu e repete, feito aquela canção de ninar. Essa é “uma coisa sua que ficou em mim’, mainha!

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