A um dia da decisão do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, uma verdade incômoda precisa ser dita. Começo. Alanna Galdino não seria indicada a conselheira do TCE não fosse o peso político do pai e presidente da Assembleia. Seu nome, porém, também não pode ser vetado pelo Tribunal por ela ser filha de Adriano Galdino (Republicanos).
Alanna é, sim, sumo da indicação política (quase unânime) de 32 deputados da Assembleia Legislativa, incluindo governo e oposição, e desse carimbo não pode fugir. Nem ela e nem as mulheres dos ex-governadores Rui Costa (Bahia), Wellington Dias (Piauí), Renan Filho (Alagoas) e Waldez Góes (Amapá). Nem também a maioria esmagadora da atual Corte de contas paraibana.
Mesmo com suas competências pessoais, dificilmente alguns seriam indicados se o critério fosse rigorosamente técnico e não, sabidamente, político-partidário. Quase todos julgadores da indicação da Assembleia chegaram ao Pleno pela via da política ou pelo parentesco de quem dominava o poder de então. Apesar das críticas à época, isso não os tornou inaptos e nem anulou o reconhecimento individual. Bem como, até hoje, não os blinda do recorrente escrutínio público quando julgam contra e a favor.
E esse DNA, permitido pela permissividade da Constituição, nem o TCE nem o vigilante Ministério Público de Contas podem desconhecer. O Tribunal tem o legítimo direito da autopreservação, mas não de renegar a própria espécie. Sua gênese – e do seus congêneres – respira o oxigênio da célula política do Legislativo, a quem compete a seiva das indicações e nutriente das prerrogativas.
A decisão do presidente do TJ, Fred Coutinho, desembargador oriundo do MP, reconhece isso e se ateve às formalidades – observadas pela Assembleia, conforme o despacho judicial que mandou o baile seguir. Se na regra atual a pureza técnica e meritocrática é uma quimera, o TCE já tem um triunfo para chamar de seu quando peitou até a Assembleia desistir de mandar um deputado processado e com pendências judiciais. Até onde consta, a indicada não carregará esse peso ao plenário e preenche as formalidades básicas.
Traduzindo! É o modelo de formação – superado, por sinal – que tatua os tribunais de contas da imagem política em detrimento da expertise técnica – o que seria ideal numa democracia. Levantamento da Transparência Brasil radiografa: 80% dos conselheiros de contas no Brasil ocuparam cargos eletivos ou na administração pública; 31% eram parentes de outros políticos; 23% sofreram processos ou punição. Não há pontualidades nessa questão, mas generalização.
Essa constatação – reacendida pelo frisson da iminente análise do questionamento formulado pelo MPC – reforça o necessário debate que a polêmica paraibana merece suscitar entre técnicos, concursados e sociedade; a reforma do modelo de formação dos tribunais. Porque não dá pra esperar dos detentores do poder o gesto voluntário de abrir mão desse privilégio.
Se quiser ser encarado de verdade, esse tema precisa sair da raia da estéril discussão moral e avançar ao campo das instituições. No Congresso, dormitam morosamente inúmeras propostas em defesa da formação técnico-profissional e a carreira exclusiva e a abolição de influências partidárias. Isso, sejamos francos, não será resolvido por uma canetada dos conselheiros nesta quarta-feira, por um protesto da tribuna do TCE ou crucificando Alanna Galdino. Que não é a primeira e nem será a última, enquanto fingirmos atacar o jogo. E não as regras.