Só uma coisa mereceu a explícita condenação de Jesus Cristo de Nazaré: a hipocrisia religiosa do seu tempo. É célebre a sua reação contra os que corromperam o templo em mercado e ainda mais o duro sermão relatado por Mateus, no capítulo 23 do livro escrito pelo autor que sentiu na pele o preconceito e julgamento – até entre discípulos – pelo passado de Levi, ex-cobrador de impostos em Israel.
“Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo”, denunciou Jesus, no versículo 4. No seu curto ministério, o próprio filho de José e Maria foi alvo do fardo pesado imposto por escribas, fariseus e doutores da Lei, tratados por ele como “guias cegos”.
Pouco importavam as curas, as palavras de alívio e perdão. Criticava-se a falta do rito dogmático, cobrava-se o respeito rigoroso aos costumes e tradições. Valia mais a aparência do que o coração, a letra da Lei do sábado do que o sorriso de um paralítico andando e a alegria de um leproso limpo, após vidas inteiras de dor e exclusão.
“Ai de vós, doutores da lei e fariseus fingidos! Fecham a porta do reino dos céus na cara das pessoas. Não entram, nem deixam entrar os que gostariam de o fazer”. Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, procurou abrir essa porta pesada e fechada para uma multidão de excluídos.
Do lado de fora dela, gente sedenta por uma pano molhado a gotejar alívio de sua sede por acolhimento, compreensão, cura e transformação. Pela religiosidade da época de Cristo, não havia salvação e nem misericórdia para a “impura” mulher vítima de hemorragia, para a adúltera ou para um possesso. Como, ainda hoje, nega-se a divorciados, gays, presidiários, segundo o Evangelho do Castigo.
Em 19 de outubro de 2017, o papa alertou sobre essas portas fechadas numa reflexão matinal didaticamente intitulada de “Os Fariseus de Hoje”. No seu pontificado, ele vacinou-se desse histórico e renitente fermento farisaico e promoveu reflexões importantes para o seu tempo. Foi mais discípulo de Cristo do que refém de dogmas, mais missionário do que autoridade. Largou a primeira pedra de condenação e estendeu a mão do perdão. Não por coincidência, sofreu ele mesmo muitas pedradas.
Porque fez o que é imperdoável para escravos da vã religiosidade; misturou-se entre os ‘condenados’ do seu tempo, repetindo os gestos Daquele que veio para os doentes, e não para os que se acham ‘sãos’, para os que se reconhecem pecadores, não para os que se acham ‘justos’.
Os mesmos que dois mil anos depois ainda não aceitam e nem conseguem compreender porque foi o desvirtuoso e anônimo ladrão da cruz, e não nenhum rígido religioso ou disciplinado seguidor, o primeiro a entrar no paraíso de mãos dadas com Jesus. Jorge Mario e Francisco compreenderam.