Pela brecha da cerca de vara (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

Pela brecha da cerca de vara (A Crônica de Domingo)

13 de abril de 2025 às 14h37 Por Heron Cid

O barulho da água escorria ao longe. Os ouvidos secos captavam o sinal a dezenas de metros. Na boca da noite, os pés caíam esfomeados quintal afora tateando entre lama, lajedos e bichos.

Virava um deles, uma fera arredia, quebrando veredas, pisando descalço, assustando os próprios medos e vencendo os limites da pouca coragem para outros desafios.

Arranhões nas coivaras e nos espinhos nem eram sentidos pelas pernas anestesiadas. A aspiração ofegante parecia um trovão no meio do silêncio denunciando a presença intrusa entre penumbras de folhas, galhos e mata alumiada pelo branco da lua.

Por aqueles instantes, não havia mais nada ao redor. As orelhas quentes, as mãos geladas, os olhos em brasa procurando uma frestinha de nada para achar, enfim, o tudo guardado por trás daqueles segredos.

Quanto mais se aproximava, mais frio gelava a barriga. Quanto mais queria ver, mais a vista se ofuscava, como se o desespero da lente ocular variasse o grau e oscilasse a nitidez das cores.

Até que o olho mirava a brecha da cerca de faxina, feito um cano de espingarda posicionado no alvo desejado para o disparo fatal. Um pouco à direita, um pouco à esquerda, e lá estava a vida ali em frente.

Turva, mas suficientemente desenhada para decifrá-la, querê-la ardorosamente, entre dedos e dentes. Tudo paralisava por alguns segundos e o mundo era todo aquele imenso minúsculo espaço, entre uma vareta e outra.

Na escuridão da noite, o clarão acendia as brasas de um olhar. Na fotografia, uma silhueta de fogo a queimar o estopim do menino que incendiava o homem.

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