A saga daqueles melhores amigos (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

A saga daqueles melhores amigos (A Crônica de Domingo)

23 de março de 2025 às 13h04 Por Heron Cid

Primeiro foi Lyke, e no nosso sertanês caprichávamos na pronúncia ‘Laique’. Meu tio Naldinho deve ter achado o nome em alguma Tela Quente da vida. Era um vira-lata rajado. Os olhos amarelos como o sol incendiavam no contraste com sua pelagem escura.

Esperto, era a campanhia eficiente de caça do meu tio com Mimi, nosso vizinho. Passavam um fim de semana inteiro, dia e noite, no meio do mato pelas serras de São Gonçalo. E sempre voltavam com alguma coisa no bornal. Tatu, peba, cobra…

O caçador adoeceu. Lutou contra a enfermidade e fomos assistindo sua agonia dia após dia, pouco a pouco, até a despedida final. O luto foi inevitável.

Não demorou muito e apareceu lá um cachorrinho amarelado. Naldinho, meu tio, de novo, fez o batismo. O loiro de olhos claros virou “Alemão”.

Foi o cachorro da nossa infância. Era o sentinela atento da família. Dócil, passava o dia fora, se necessário, e voltava no fim de tarde, com rabo abanando e pedindo atenção e comida, claro.

Até que veio de novo a doença e amofinou a alegria do lar. Os pelos foram sumindo e o brilho de seu latido, também. Os agentes da Sucam receitaram o destino final: pelo próprio bem dele, deveria ser sacrificado. Uma injeção acabou seu sofrimento.

Menino, eu não tive coragem de ver a cena. Levaram-no para fora da cidade e na caatinga dos arredores abreviaram a existência que nos deu tanto vida. Mas, lembro que meu tio voltou com lágrimas nas faces, como se tivesse perdido um irmão.

O novo luto só acabou com o aparecimento de um cachorrinho de balaio, branco feito a neve, pequeno, irrequieto e cheio de charme. Fleury, nome (do ex-candidato à Presidência) dado por dona Marizete, minha mãe, política até na hora de batizar os bichos de estimação.

Atração da vizinhança da nossa rua Ana Rocha e alegria da casa nº 18, Fleury tinha os olhos miudinhos e olhava com cara de anjo inocente. Lambia quem chegava perto avisando logo que queria amizade. Teve o mesmo fim dolorido.

Os três deixaram muitas boas lembranças naqueles ontens e uma certeza que levo até hoje; o cão é mesmo o melhor amigo do homem. Pena que a recíproca não é tão verdadeira e no reino humano tem mais bicho do que amigo.

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