O menino que largou a baladeira – Heron Cid
Crônicas

O menino que largou a baladeira

16 de março de 2025 às 14h34 Por Heron Cid

Naquele tempo, todo menino tinha que saber caçar. Por isso, todo ele tinha uma baladeira como brinquedo de estimação. Havia delas de todas as cores de ligas e enfeites no cabo de marmeleiro tirado nas matas dos arredores da Vila Nova.

Eu nunca levei muito jeito para coisa. Nem com o instrumento e nem com a ideia de matar qualquer bicho. Os colegas atiravam em tudo o que viam. De passarinho à lagartixa.

O quintal lá da nossa casa, na Rua Ana Rocha número 18, juntava uma meninada para essas estripulias. Debaixo da algaroba florida de vagens maduras, a turma ficava de espreita à espera das presas.

Passarinho não faltava nos galhos espinhados em busca de uma comida boa e fácil. Sabiá, tirico, juriti, pardal, bem-te-vi, azulão, rolinha, galo campina, bico de prata, graúna e até anuns pousavam por lá.

De vez em quando, um tiro certeiro. O tadinho caía de papo no chão para nunca mais cantar. Enquanto a galera fazia algazarra, eu ficava triste, sem motivo para comemoração, mas disfarçava para não ser o fracote do pedaço.

Não demorou muito e foram logo percebendo que, aquela altura, eu era o único a não ter um troféu para apresentar. Ninguém nunca havia testemunhado uma ave abatida pelas minhas mãos.

E aí começou a pressão, desconfiança e, por fim, a cobrança. Não teve jeito. Para não ficar por baixo, tive que deixar a misericórdia de lado e encarnar o espírito do caçador indomável e inclemente.

Errava quase todas as tentativas. Até que o coitado de um sabiá achou de pousar num galho quase em cima da minha cabeça. De tão próximo, ainda que eu quisesse seria difícil errar.

A atenta plateia me olhava como a um jogador na hora do pênalti. A queima roupa, o lindo sabiá foi ao chão. Todo mundo gritou, vibrou e foi pra cima do inocente finado. Eu enchi os olhos d’água, joguei a baladeira no chão, fui viver o luto e nunca mais atirei.

Foi a primeira e última vez. De lá pra cá, me incomoda até ver passarinho na gaiola. Eles foram criados para viver livres e voar alto. E a gente também!

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