Naquele tempo, todo menino tinha que saber caçar. Por isso, todo ele tinha uma baladeira como brinquedo de estimação. Havia delas de todas as cores de ligas e enfeites no cabo de marmeleiro tirado nas matas dos arredores da Vila Nova.
Eu nunca levei muito jeito para coisa. Nem com o instrumento e nem com a ideia de matar qualquer bicho. Os colegas atiravam em tudo o que viam. De passarinho à lagartixa.
O quintal lá da nossa casa, na Rua Ana Rocha número 18, juntava uma meninada para essas estripulias. Debaixo da algaroba florida de vagens maduras, a turma ficava de espreita à espera das presas.
Passarinho não faltava nos galhos espinhados em busca de uma comida boa e fácil. Sabiá, tirico, juriti, pardal, bem-te-vi, azulão, rolinha, galo campina, bico de prata, graúna e até anuns pousavam por lá.
De vez em quando, um tiro certeiro. O tadinho caía de papo no chão para nunca mais cantar. Enquanto a galera fazia algazarra, eu ficava triste, sem motivo para comemoração, mas disfarçava para não ser o fracote do pedaço.
Não demorou muito e foram logo percebendo que, aquela altura, eu era o único a não ter um troféu para apresentar. Ninguém nunca havia testemunhado uma ave abatida pelas minhas mãos.
E aí começou a pressão, desconfiança e, por fim, a cobrança. Não teve jeito. Para não ficar por baixo, tive que deixar a misericórdia de lado e encarnar o espírito do caçador indomável e inclemente.
Errava quase todas as tentativas. Até que o coitado de um sabiá achou de pousar num galho quase em cima da minha cabeça. De tão próximo, ainda que eu quisesse seria difícil errar.
A atenta plateia me olhava como a um jogador na hora do pênalti. A queima roupa, o lindo sabiá foi ao chão. Todo mundo gritou, vibrou e foi pra cima do inocente finado. Eu enchi os olhos d’água, joguei a baladeira no chão, fui viver o luto e nunca mais atirei.
Foi a primeira e última vez. De lá pra cá, me incomoda até ver passarinho na gaiola. Eles foram criados para viver livres e voar alto. E a gente também!