Nelson Motta, em artigo em O Globo, analisa o cego e surdo debate ideológico e o avacalhamento final do Congresso Nacional, convertido em grande Câmara de Vereadores, com lapelas mais ilustradas. O texto é uma provocação e vale a pena o gole. Sem moderação. Leia abaixo um trecho!
Adeus às ilusões – Nelson Motta
Como disse Ulysses Guimarães, “Se você reclama do atual Congresso, tenha certeza: o próximo será pior.” Esta máxima nunca falhou. É sempre pior, nunca foi tão ruim. Não são mais representantes do povo, mas de seus próprios interesses locais e de seus financiadores. Não vão melhorar, é impossível, só uma pequena minoria de parlamentares, de várias tendências, melhoram e crescem no mandato, a imensa maioria piora como político e cidadão, desfrutando das delícias do poder e do dinheiro, das molezas e privilégios corporativos. O povo serve para votar, as decisões são tomadas por gente de quinta categoria, movida a dinheiro e influência. E esse Congresso mequetrefe abocanhou boa parte do orçamento e chantageia o governo com sua fome de cargos e verbas para se eternizarem no poder.
Parlamentares mais antigos e historiadores sabem: nunca foi tão ruim. E vai piorar: com a polarização cega e surda entre esquerda e direita, é claro que medidas corretas da esquerda serão negadas e deturpadas pela direita. E vice-versa, num eterno empate de 0 x 0. Não há melhor forma para atrasar o pais e de apequenar o debate politico. Parece ideologia, mas é só estupidez e ganância. O Congresso se tornou uma grande Câmara de Vereadores, com cada um defendendo seus interesses provincianos, e baixando cada vez mais o nível do convívio democrático e do debate de ideias e soluções — para o país.
Vivemos essa fase de equilíbrio paralisante, em que um terço da população e do Congresso apoia a direita, um terço apoia a esquerda, e um terço ainda mantém a independência de pensar com a própria cabeça em vez de seguir slogans, hashtags e comandos de suas lideranças. Sim, não há a menor chance de esquerdistas ou direitistas mudarem de opinião, mesmo diante de evidências e argumentos irrefutáveis dos adversários. São cegos guiados por loucos rumo ao abismo, diria o Rei Lear se vivesse no Brasil.