(São Paulo) – Se dependesse dos motoristas de Uber, o deputado Guilherme Boulos (PSOL) teria percentual bem inferior aos 31% de intenções de voto captados pela última pesquisa DataFolha. De passagem pela capital paulista, nesse fim de semana, conversei com pelo menos seis deles. Ouvi de todos praticamente duas coisas. O encanto com a figura controversa de Pablo Marçal (PRTB) e o sentimento de que a gestão do insosso Ricardo Nunes (MDB) não é uma Brastemp, mas o voto, em última instância, não será a favor do candidato de Jair Bolsonaro (PL) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que lidera com 51% da preferência; é contra a possibilidade de a esquerda voltar a governar a maior cidade do Brasil.
O operador de aplicativo aqui, claro, é só uma ilustração empírica de um dilema bem maior a enquadrar a esquerda brasileira. Esse pessoal representa parte de uma nova classe trabalhadora que o espectro político liderado pelo presidente Lula (PT) não consegue dialogar, compreender e se conectar. Anacrônico e ainda preso à narrativa sindical, o PT e seus genéricos simplesmente estão deslocados na conversa com empreendedores forjados e tangidos pelas circunstâncias, inclusive do desemprego. Gente que dispensa carteira de trabalho, FGTS e seguro desemprego e optou pelo valor da própria produção autônoma e sem mediação ou amarras com os sindicatos, falidos em adesão e credibilidade.
Vencedora numericamente nos votos para a Presidência, muito mais pelos descaminhos do então presidente Jair Bolsonaro do que pelo mérito de uma nova mensagem, a esquerda está encalacrada. Detém o poder central, todavia anda longe de ser hegemônica no Congresso, onde tem presença sofrível. É solenemente refém de uma maioria formada por partidos que se alforriaram da mercantilização de cargos e espaços, porque encontraram solução mais prática e menos republicana, quando sequestraram o cofre federal, via orçamento secreto e emendas pix.
Para piorar, a presença das siglas de esquerda nos municípios foi rebaixada, constrangedoramente, nas eleições de 2024, cujo resultado robustece a força do centro, tradicionalmente muito capilarizado, e inseriu o PL, de Bolsonaro, definitivamente, no mapa eleitoral do país. Sem renovação de quadros e ainda teimando em discutir política sob a lógica de burguesia e proletariado, os líderes da esquerda estão sendo forçados a um duro mas necessário processo de reciclagem.
A disputa em São Paulo é um laboratório para estudos mais aprofundados. Se o candidato apoiado por Lula tem 56% de rejeição, mesmo sendo o melhor da esquerda que se tinha para apostar, e não consegue vencer nem ameaçar um prefeito improvisado e dono do carisma de uma pedra, algo anda bem mal. E não é com o eleitor da cidade. O paulistano é só amostra grátis de um sentimento que vai além das divisas paulistas. Se há dúvidas, chamem o Uber.