Quando morreu Belchior, de quem sou assumidamente fã, escrevi um plangente artigo. Sob o título “Belchior, o melhor show que eu não fui” derramei meu lamento sobre a partida do artista, cuja obra, entre tantas da rica MPB, mais me comove.
Entre os dedos da digitação escorria o testemunho da influência poética, da inquietação e do êxtase provocado por canções, versos e crônicas cantadas pelo “rapaz latino americano”, um “sujeito de sorte”, que conhecia o “seu lugar” na história e na vida.
Assim como o poeta cearense, também carrego o “sertão da minha solidão”. Enquanto uns cultivam o oba oba, os sonhos matinais, romances astrais ou a mente positiva, prefiro a voz ativa, “ela é que é uma boa”. O delírio com “coisas reais”.
Ao assistir o espetáculo Belchior – o Musical, fui arrebatado por emoções. Marejei os olhos a cada discurso cortante. E a cada texto cantado levitei na plateia. Não fosse a mão agarrada a Marly Lúcio, “a mulher companheira”, teria sido abduzido na “alucinação”.
O roteiro e a belíssima atuação do elenco e da banda sopraram a atmosfera irresistível da força poética, da estética singular e da presença humana e humanizada do cantador de Sobral.
Antônio Carlos Belchior foi um artista que fez do som palavras e navalhas. A despeito de uma geração marcada por uma militância festiva e alienada, Belchior contestou os ídolos que ainda são os mesmos, alertou para as aparências que não enganam e cutucou os que “amam o passado”, chacoalhando a profecia: “O novo sempre vem”!
Um coração selvagem, provocativo, reflexivo. Um sujeito do seu tempo que não deixou fórmulas, mas instigou cada um do seus ouvintes a fazer seu próprio caminho, no delírio das experiências com coisas reais.
Deixei anestesiado o místico Teatro Pedra do Reino. Entre impactado e renovado, encharcado da inevitável sensação de ter assistido, enfim, o melhor show que eu já fui! E por quem tanto esperei.