O pagador de promessas (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

O pagador de promessas (A Crônica de Domingo)

19 de novembro de 2023 às 14h12 Por Heron Cid

Por todos os lados, ruas lotadas de ônibus, carros e caravanas. Entre becos, saídas e entradas, formigueiros de gente humana, subindo e descendo em busca de abrigo. Assim amanheceu o dia nas terras cearenses. Oito horas antes, pegamos a estrada do sertão de Canindé e a lua branca cantadas na canção por Luiz Gonzaga.

Debaixo das asas da avó, católica fervorosa, lá ia o menino pagar a promessa dela ao santo invocado pelo nordestino em horas e situações de aperreio. Toda gratidão de dona Nuita era pelo milagre de bem sucedida simples cirurgia de amídalas feita no Hospital João XXIII, em Campina Grande. A cura do neto das intermináveis crises de garganta.

Juntados à comitiva de Marizópolis, caminhamos a pé e emburacamos na primeira pousada com preço bom. Uma casa cheia de romeiros empacotados entre quartos muito menores que nossa fé. Nos primeiros raios de sol, o alarido de pessoas disputando a mesa, o café e a hora de ir à Basílica de São Francisco das Chagas. Nessa hora, o meninote já estava pronto, de banho tomado e vestido de marrom franciscano.

Na igreja, depois da missa que mal entendia razão e porquê, a fila para depositar a roupa como ex-voto. No largo, na multidão, uma fonte e um homem/índio de colar, cabelos e barbas longas.  Tudo ao redor era imensuravelmente grande e inexplicavelmente místico. Até o primeiro zoológico da vida, com suas aves coloridas, serpentes, jacarés e porco-espinhos desfilando ante olhos molhados e boca seca.

À noite, o ajuntamento de conversas e partilhas. No prato, a sopa fumegando o cheiro de simplicidade e o gosto de dever e devoto cumprido. No outro dia, mais léguas. Na praia de Iracema, a musa de José de Alencar, refrigério para os peregrinos virgens de ver o mar e lábios amargos de chorar dores.

A volta no cair da tarde no ônibus ensardinhado com zumbido do converseiro de gargalhadas e descobertas novas para contar. Sob as rodas, cantigas para aliviar o cansaço do corpo e encurtar a distância até outra madrugada, enfim, chegar e despertar bem na frente da casa que nos esperava de portas abertas e com as janelas sorrindo.

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