No Brasil, tragédia é rotina, mesmo que batam à porta todos os dias. A de São Sebastião (SP) é mais uma no rol das estatísticas. A gravidade da situação, o número de mortos e desaparecidos e as sequelas juntaram os esforços do presidente Lula ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Os dois visitaram as áreas atingidas, anunciaram providências conjuntas e, literalmente, deram as mãos no socorro a desabrigados e famílias sofrivelmente impactadas pelos deslizes de terra.
O que deveria ser a atitude normal, o comportamento padrão de dois servidores públicos em funções de mando virou um fato à parte no noticiário político.
Aliados de Lula surfando em cima do “diferencial” do presidente no comparativo com seu antecessor e bolsonaristas ortodoxos incomodados com a aparição do aliado de São Paulo na foto com o ‘inimigo’ máximo do bolsonarismo.
Nada que seja de se estranhar nos nossos estranhos tempos, onde a regra para muitos é o confronto em qualquer tema, em qualquer assunto, mesmo que tema e assunto sejam catástrofes, mortes, sofrimento.
Ao interromper seu feriado, Lula cumpriu seu dever. Ao buscar apoio, Tarcísio também. Essa é a regra, não à exceção, por mais que civilidade e bom senso tenham sido quase abolidos e valores institucionais básicos praticamente banidos do Brasil.
No país de uma cultura política absurdamente patrimonialista, essas são sempre oportunidade de, definitivamente, separar homens dos cargos. Os homens podem ter preferências políticas, mas cargos são instituições, sempre superiores aos humores e predileções dos seus efemeríssimos ocupantes.
Quando alguém vence uma eleição, este recebe apenas o direito de governar instituições, não de ser dono destas. Aos eleitos não está facultada a opção de tratá-las como extensão de casa ou da sede do partido.
Como ainda vivemos os resquícios tóxicos da histérica e extremada polarização, gestos de civilidade institucional e cooperação governamental são alvos de inaceitável censura e vistos com reserva, desconfiança, repúdio e até mote para promoção pessoal.
Prova de que, ainda que sejamos tão calejados em matéria de reincidência de desastres, a radicalização política é a nossa maior de todas as tragédias. A postura de Lula e Tarcísio, em São Sebastião, é um resgate da dignidade política. Uma ponta de esperança de que nem tudo foi soterrado nos destroços da política brasileira.