Num país de tantas dores e desalentos, a festa funciona para muitos como um anestésico de cinco dias. O carnaval é o entorpecente anual do brasileiro. Mas, também, agita e aquece o coração de uma gente feliz que, apesar dos pesares, é festa, por natureza.
Nesses dias, foliões tiram a roupa das incertezas e se vestem de fantasias de esperança. Trocam a escuridão dos desmandos pelo colorido das alegorias.
Sambam em cima das tristezas e cantam alto para que só assim suas vozes sejam, enfim, ouvidas, já que seus lamentos e protestos quase nunca encontram eco nos demais 360 dias. “E dizer bem alto que a injustiça dói/ Nós somos madeira de lei que cupim não rói”, como ensinava Capiba.
Descamisados pintam o rosto de teimosia. Meninos pisam descalços na avenida de poucos. Pelo menos, uma vez por ano, pobres e ricos se misturam.
Segregados na desigualdade nossa de cada dia por muros invisíveis ficam agora quase juntos. Separados apenas pelas cordas, que ditam o lugar de cada bloco: os que suam no chão e os que brindam no camarote.
O carnaval é a festa de nossas tristes e rebolantes contradições. Explica também um pouco de nós. É o direito à alegria temporária para um povo que passa o resto do ano com mais motivos para chorar.
Aí ninguém é de ferro e o brasileiro extravasa, dança sobre suas próprias angústias e até o dia raiar se anestesia. Da renda baixa, dos altos impostos, do ônibus atrasado, da lama pontual. Do médico que falta, dos privilégios que sobram. Do mínimo salário e dos máximos lucros.
Como cantou Moacyr Franco, “a gente brinca escondendo a dor” para ver o “turbilhão dessa vida passar”. Ou como instiga Chico Buarque: “Que gente triste possa entrar na dança/ Que gente grande saiba ser criança”.
Depois das noites de embriagada folia, tudo vira cinza na manhã da quarta-feira. Com a ressaca, raia a realidade anunciando mais um ano que, preguiçosamente, começa após o fim do carnaval.