Duas semanas é muito pouco tempo para uma nota, mas o suficiente para identificar as primeiras impressões. E os primeiros passos do novo governo revelam um Lula habilidoso na engenharia do ministério e focado no fortalecimento político.
Ele privilegiou as alianças na formação do governo, como método para ampliar e garantir base confortável, equação que não é tão difícil dado o histórico caráter adesista e fisiológico do Congresso. Cedeu logo no apoio implícito à recondução de Arthur Lira (PP-AL), o chefão do orçamento secreto.
Como poucos, Lula conhece o Parlamento por dentro e e sabe ministrar a ração que mata a fome partidária e congressista, e esta não se paga com Bolsa Família. Foi assim na relação com o MDB e partidos do centrão nos seus dois mandatos.
O petista investe na estratégia de difundir ao máximo a tese de herança maldita deixada pelo antecessor. Nesse mister, o governo anterior fornece ampla munição. É nítido o esforço para desidratar o maior adversário, Jair Bolsonaro. O vigor punitivo do pós 8 de janeiro, a quebra dos sigilos e a massificação dos gastos do cartão corporativo são exemplos.
O presidente se saiu bem nos episódios de extremismo, vandalismo e depredação em Brasília. Aproveitou a ocasião para chamar para si a responsabilidade das enérgicas medidas, e produziu uma grande e emblemática reunião entre poderes e governadores numa foto histórica. Ficou acima da luta partidária e politica.
Lula sabe que enfrenta na oposição o contraponto inspirado num líder radical e de forte popularidade, coisa que o PT nunca teve enquanto governou o país. Do outro lado da rua, há 58 milhões de eleitores que fizeram opção de voto divergente. O presidente quer esmagar a cabeça da cobra, sem oferecer chance de ressurreição. O discurso de pacificação é um sofisma. O velho “nós contra eles” é a ordem.
Como a chamada Frente Ampla não elegeu bancada suficiente para se impor, a preocupação com a consolidação de uma base parlamentar é correta e prudente, ainda que por meios arcaicos e ao preço da repartição de dezenas de ministérios recém-criados para o velhíssimo toma-lá-da-cá.
Na ótica do combate político do adversário renhido, jogador no campo do extremismo, o olhar na lente do retrovisor é compreensível, todavia, a grande tarefa do novo presidente eleito em disputa acirradíssima é atrair aquele eleitor que votou no ex-presidente, mas não é bolsonarista. O eleitorado motivado muito menos por apreço a Bolsonaro e muito mais pelo vívido antipetismo.
E isso só se faz com políticas públicas acessíveis,, gestão e resultados, sobretudo na economia e bolso do cidadão, a parte mais sensível das pessoas e o que derruba presidentes e levanta opositores. Desafio gigante no colo de Fernando Haddad e equipe. Convém apenas lembrar que o Brasil de 2003 é muito diferente do Brasil de 2023. E nesse novo país o brasileiro quer muito além de comer picanha e tomar cerveja.