Um dia após Jair Bolsonaro, mais uma vez, levantar suspeitas infundadas sobre a segurança das urnas eletrônicas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, contestaram Sua Excelência. “A Justiça Eleitoral é eficiente e as urnas eletrônicas confiáveis”, escreveu Pacheco em rede social. “Não tem cabimento levantarem suspeitas ou dúvidas sobre as eleições no Brasil”. Lira seguiu no mesmo tom: “O processo eleitoral brasileiro é uma referência. Pensar diferente é colocar em dúvida sua legitimidade. Vamos avançar, sem tensionamentos, para eleições livres e transparentes”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados.
Pacheco e Lira são pesos pesados na luta pelo poder que se trava em Brasília, na arena da sucessão presidencial. Junto com o senador Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil do desgoverno Bolsonaro, lideram o Centrão – base bolsonarista de direita à qual é vinculado um terço dos deputados federais. Ao Centrão, historicamente, sempre interessaram acordos sigilosos, verbas e cargos públicos. Articulações golpistas, não.
Seus sensores tocaram o alarme quando se agravou a crise do Palácio do Planalto com o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, com o perdão presidencial dos crimes do deputado federal miliciano bolsonarista Daniel Silveira. E ressonaram no dia em que Sua Excelência homenageou o parlamentar, condenado a quase nove anos de prisão, em solenidade de duas horas no Palácio do Planalto.
O Centrão já tem sua prioridade para a eleição deste ano: fazer a maior bancada na Câmara dos Deputados, para tanto articulando-se nos estados, da forma que lhe for mais conveniente, com bolsonaristas, lulistas ou quem precisar de seu apoio. Evidentemente, em troca de polpudas contrapartidas. Empossado o novo governo, a ele vai aderir – como aderiu aos governos de Dilma Rousseff e depois votou a favor do impeachment da presidente.
Os sensíveis sensores também detectavam outros movimentos raros como a defesa, por parlamentares, de convites a observadores internacionais, da Europa e dos Estados Unidos, para acompanhar o processo eleitoral brasileiro, nas etapas da votação e da apuração. É exatamente sobre essas duas etapas que Bolsonaro concentra suas investidas, na tentativa de golpear e se sustentar no poder.
O empenho pela corrosão da democracia por Sua Excelência é antigo, vem desde o início do desgoverno. Bolsonaro afirmou, sem mostrar provas, que em 2018 teria sido eleito no primeiro turno, “se não fossem as fraudes nas urnas eletrônicas”; passou em seguida a pregar, também sem provas, que as urnas eletrônicas são violáveis; exigiu que o voto em outubro fosse impresso, “do contrário as eleições não seriam limpas” e ameaçou que, do contrário, “não haverá eleição”.
Sua última tentativa para conturbar o processo eleitoral foi defender que as Forças Armadas realizassem uma contagem paralela dos votos, simultânea à contagem do Tribunal Superior Eleitoral. Sua Excelência não explicou como se daria essa dupla apuração, os efeitos sobre a credibilidade da eleição e se as Forças Armadas estariam dispostas – e legalmente habilitadas – a mergulhar a mão nesse caldeirão fervente.
A cinco meses das urnas de outubro perduram dúvidas quanto à estabilidade do pleito, permanentemente atacada por ações dos bolsonaristas. A cada ação, as dúvidas crescem – a ponto de se cogitar até a hipótese de não realizada a votação. Para os mais pessimistas, esse é o objetivo final de Sua Excelência – caso se consolide a perspectiva de sua derrota em uma disputa democrática. São os mesmos que desde já procuram saídas para conter a articulação golpista de Bolsonaro.
As Forças Armadas são um dos contingentes mais importantes nesse esforço a favor da democracia. A Constituição de 1988 estabelece que elas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, por iniciativas de qualquer um destes, da lei e da ordem”. Sua Excelência nunca alimentou qualquer afeição a essa configuração institucional. Sempre defendeu que “o meu Exército” – e por extensão “minha Marinha e minha Aeronáutica” – assumam papel de protagonismo nas relações com o Judiciário e o Legislativo e estejam sempre prontos a cumprir as suas ordens – mesmo as inconstitucionais.
De que lado estarão os comandantes militares quando for iminente um golpe de Estado? Do lado da democracia ou do lado de Bolsonaro? Até o momento as posições são dúbias, separadas, de um lado, por oficiais bolsonaristas mais antigos e, de outro, oficiais mais jovens, defensores do papel constitucional do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Contudo, nada tão incisivo, claro e oportuno quanto as declarações de Rodrigo Pacheco e de Arthur Lira, em oposição ao golpismo de Bolsonaro.
Tempos trágicos esses, em que o Brasil é forçado a agradecer ao Centrão pela defesa da democracia.
*Ricardo Leitão é jornalista em Pernambuco.