Os dias nossos em cada pão (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

Os dias nossos em cada pão (A Crônica de Domingo)

10 de abril de 2022 às 15h20 Por Heron Cid

No comecinho da manhã. No finalzinho da tarde. O ritual desperta o sol e se despede para a noite. É a companhia do café, é a volta pra casa. É para matar a fome, é para abundar a mesa.

Quentinho derretendo a manteiga. Dormido, depois do sono fica torrada. Como do bago do trigo ao forno, ele se transforma e cumpre seu destino de alimento democrático. Para todas as cores e rendas.

Pode ser cheio de requisitos e derivações nas lojas bacanas das capitais. Ou simples mesmo no balcões modestos e sertanejos, como na Padaria de Seu Edilson Alves.

Todo fim de tarde era o meu destino predileto, quando a barriga mandava recado e dona Nuita fazia o pedido. Ela ia no fundo da mala, pegava as moedas guardadinhas e despachava o neto magrelo para ir “na rua”.

– Me dê dez pães massa fina!

– Massa o quê? De onde você é? Respondeu Lourdinha – a atendente – meio confusa.

– Oxe, sou daqui mesmo, de Marizópolis! Retruquei encabulado.

– É esse aqui! Apontei mirando o dedo para a prateleira.

– Ah… Isso aqui é pão sovado!

Se o sovado era molinho, o “aguado” (depois descobri que era francês) dava bom demais ainda morninho. Mas o doce com coco da Padaria de Assiszinho Braga era mais caro e disputado às tapas com Hernon. Aqui e acolá, Antônio Simão botava um a mais de brinde.

Daí pra frente, a mercadoria era enrolada no papel e o acabamento da embalagem feito de um jeito artesanal na ponta dos dedos. Do jeito que até tentei, porém nunca – jamais – aprendi.

De regresso da empreitada, o cheiro bom do café já estava saindo pelas janelas do número 18 da Rua Ana Rocha. A combinação perfeita para o adeus à tarde.

Naquela família de duas mulheres separadas – mãe e filha – e dois meninos unidos, cada um tomava seu pedacinho na mão e uma conversa inteira se espalhava na cozinha. Antes do escuro chegar.

Pincelo de amarelo as entranhas brancas e carnudas, mergulho trinta anos na xícara, retorno à superfície de hoje em dia e escuto de volta o som da casquinha crocante enviando lembranças.

De olhos fechados, sorvendo o prazer do paladar e degustando o gosto de saudade, sinto de novo o sabor daqueles tempos. E me farto de cada pão daqueles nossos dias.

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