Ladrão cara de pau (Por Roberto Cavalcanti) – Heron Cid
Opinião

Ladrão cara de pau (Por Roberto Cavalcanti)

13 de fevereiro de 2022 às 09h54 Por Heron Cid

O texto é de 19/03/2020. Continua para lá de atual. Publicado no hoje extinto Correio da Paraíba, a abordagem é a expressão de indignação do empresário e hoje integrante da Academia Paraibana de Letras, Roberto Cavalcanti. Por decisão do seu autor, o brado está sendo republicado.

Fala da arraigada cultura do roubo, do desvio, da malandragem política, tão presente no cotidiano do povo e na vida pública brasileira.

Por que, então, o discurso parece contemporâneo? Basta olhar ao redor (ou pra cima!) e para as projeções políticas de 2022, ano em que zumbis assombram, perfilando cínicos no debate eleitoral.

Gente cujos malfeitos são suficientes para arquivá-la no compêndio da inutilidade, levanta dos túmulos da história, encorajada pela proteção das máscaras de madeira, tão consistente quanto MDF.

Eles se jogam com faces de pau em mais uma eleição. Como se nada tivesse acontecido, delatado ou, em alguns casos, nitidamente gravado para a posteridade.

O desabafo abaixo é de Roberto Cavalcanti, mas cabe na boca de qualquer cidadão brasileiro com o mínimo de senso crítico e com o máximo de indignação. O título é sugestivo: “Ladrão cara de pau”. A quem Cavalcanti está se referindo? Ou quem deles?

Ladrão cara de pau (Por Roberto Cavalcanti)

Talvez tocado por São José em seu dia 19 de março buscarei na Bíblia o meu entendimento sobre o perdão. Volto 2 mil anos para o diálogo entre Jesus e um dos ladrões que o ladeavam na crucificação. O ladrão arrependido disse: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino” (Lucas 23:40-42). Jesus lhe respondeu: “Em verdade, te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lucas 23:43).

O ladrão arrependido foi salvo por causa da sua fé mediante a graça do Senhor, que é o único caminho para nossa salvação. (Efésios 2:8-9).

Tenho ao longo de toda a minha vida, lastreada na fé cristã, disciplinadamente me aplicado em abraçar o sentimento de perdão. Forças internas, instintivamente, conduzem-me lamentavelmente a abrir exceções e por vezes não perdoar.

Cito como exemplo, por mais cristianamente que busque agir, não consigo superar o assassinato do meu primo Paulo Brandão. Nunca busquei vingança familiar, porém, perdoar, nunca, esquecer, jamais. Incorro, e sou réu confesso, nesse pecado.

Considero-me vivido, não apenas pelo tempo, mas, sobretudo, pela intensidade da vida que pratico. Já vi de tudo um pouco, estive em infinitos cenários.

Busco o equilíbrio e a graça divina que tem me proporcionado ponderar hoje sobre tudo, fruto também do irreversível amadurecimento. Ponderar não me tira, em momento algum, a capacidade que também cultuo que é a indignação.

Enoja-me assistirem tempos atuais à desfaçatez com que desmascarados bandidos, ladrões profissionais, agem ao serem incontestavelmente flagrados em suas rapinagens.

Graças aos instrumentos da boa justiça, não resta dúvida quanto à veracidade dos crimes. Investigações, indiciamentos, denúncias, condenações com decisões em vários graus de instâncias, anulam a possibilidade de equívocos. Negar sempre, arrepender-se jamais. Esse é o lema deles. Covardes, não tenho visto esses bandidos processarem os que fazem delação premiada acusando-os, o que seria uma atitude lógica. Vejo ameaçarem processar indiscriminadamente a mídia.

Volto ao sentimento cristão. O perdão é para quem se arrepende. Eu jamais perdoarei aos que não se arrependem, aos que não saem midiaticamente do palco se apresentando como vítimas. Considero, em todos os níveis, “coiteiros de ladrões” aos que de braços abertos acolhem réus condenados não arrependidos.

Não me refiro a pré-julgamentos. Considero que quando o rito processual é obedecido, fruto de uma densidade de provas irrefutáveis, e há condenações, o perdão só teria espaço após arrependimento público e explícito.

O que assistimos na província e país afora é uma afronta à lógica, um insulto ao bom senso. É o desmedido sentimento egocentrista que capitaneia a mente desses ladrões sem um mínimo traço de humildade ou arrependimento. Ladrão não arrependido para mim é bandido sem direito ao perdão. É a “cara de pau” inerente a todo enganador.

Você já foi enganado por alguém que não se apresenta como bandido? Não!

O enganador, o vendedor de ilusões, se apresenta sempre como salvador, pai dos pobres, dos desiguais, dos oprimidos e discriminados.

Tenho sempre em mente que quem defende bandido é porque irremediavelmente segue o seu exemplo. Agora entendo o porquê dos que lá atrás sempre defenderam bandidos. A esses ladrões impenitentes que continuam zombando e não pedindo perdão pelos seus erros não preciso me preocupar.

Havia escrito um final não cristão que falava sobre fogo do inferno. Consultei meu orientador espiritual padre José Carlos e ele lembrou-me que até a undécima hora existirá a chance de arrependimento. Que só assim livrará os inconsequentes dos abismos.

*Correio da Paraíba

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