Entre o repouso e doses de remédio para gripe-virose-rinite, ou uma dessas, as páginas finais deste belo mergulho de Jotabê Medeiros se saíram um eficiente lenitivo.
Já vinha lendo há algum tempo a saga do baiano que emplacou hits de sucesso, frases de efeito longevo e um estilo que embalou uma geração do rock brasileiro.
Ganhei tempo compulsório de ontem pra cá e a inalação ajudou a acompanhar os instantes finais do “Maluco Beleza”, alguém que não soube administrar a vida pessoal como adestrava os acordes de guitarra ou desfiava versos cortantes em letras provocantes.
A leitura é calmante das tensões, um escape mesmo, companhia dessas paradas forçadas por enfermidade em forma de atrevido recado do corpo para a mente que insiste na tomada.
Em janeiro deste ano findando, a quarentena da experiência covidiana rendeu três livros graúdos pelas minhas contas. Agora, baixei de novo a cama e os capítulos derradeiros da biografia de Raul dos Santos Seixas mantiveram os olhos abertos. Sem colírio e sem óculos escuros.
Pouca gente sabe, mas existem grandes sucessos do artista para além de Metamorfose Ambulante, Gita, Eu Nasci Há 10 mil anos atrás. Antes de parir seus próprios discos, e depois de “passar forme por dois anos na cidade maravilhosa”, o então produtor da CBS criou canções que estouraram nas vozes de Diana, Odair José, Jerry Adriani e Baltazar.
Raul Seixas era – em verdade – um brilhante ator. Tão bom que interpretava um icônico cantor e irrequieto compositor e todo mundo acreditava, dizia dele próprio em refinada ironia.
A frutífera parceria com Paulo Coelho, seu “inimigo íntimo”, cujo desfecho foi de afastamento irremediável por pura incompatibilidade de “gênios”, o mito que construiu de si mesmo e o ocaso na mistura mortal de álcool, cocaína e diabetes. Tudo isso em 334 fulgurantes páginas.
Essa viagem nas palavras chega ao fim trazendo a mensagem de que “a canção não está perdida”, que é preciso ter “fé em Deus e fé na vida” e que “tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e não posso ficar aí parado”. Tudo o que que o filho de dona Maria Eugênia e o pai de Simone, Vívian e Scalert cantou, mas não conseguiu viver nos seus brevíssimos 44 anos.
“Se é de batalhas que se vive a vida”, recomeçar e tentar outra vez é sempre necessário. Mas, do jeito certo. Pois o trem está sempre chegando na estação. Às vezes, sem passagem de volta.